O livro “Senso Comum” (Editora Martin Claret, 138 páginas), do escritor britânico Thomas Paine, é um contundente libelo contra a monarquia inglesa e uma ardorosa defesa da separação da colónia norte-americana (as famosas 13 Colónias) do jugo britânico. Nascido a 29 de janeiro de 1737, Paine teve uma infância pobre e difícil. Ajudou o seu pai na função de espartilheiro e quando teve que ganhar a vida conseguiu um ofício de coletor de impostos, numa função subalterna. Mas ali já aparecia o espírito indómito, pois envolveu-se em polémicas e chegou a ser despedido (readmitido depois) por insuflar os seus colegas no intuito de aumentarem os seus vencimentos.
Como observava de perto as coisas como elas funcionavam, elegeu a perdulária monarquia como a sua inimiga e foi com gosto que deixou Londres para se instalar na colónia com a ajuda de Benjamin Franklin (1706-1790). O jornalismo caiu-lhe como uma luva. Ele mesmo reconheceu que não era um erudito, mas sabe-se que leu detidamente os tratados políticos de John Locke (1632-1704). Dessa maneira, nos jornais, ia expressando as suas ideias, e o que ficou catalogado como “Senso Comum” nada mais é do que a reunião dessa teia de pensamentos.

E o senso comum aqui era puro e cristalino como a água que derrete do cume do Everest. As colónias norte-americanas conseguiam manter-se por conta própria e era um completo absurdo estarem sob o domínio inglês. Havia conflitos internos e muitos dos colonos divergiam sobre a questão. Os mais abastados, notadamente os comerciantes, queriam a manutenção do status quo e a parte mais pobre da população via-se escorchada com taxas e impostos, como os famigerados selos cartoriais para conseguirem vender os seus produtos: alcatrão, mel, chá e outros. Paine observava isso tudo com extrema revolta. Sem meias palavras, escreveu, cito:
“E assim como o indivíduo apegado a uma prostituta não tem capacidade para escolher ou avaliar uma esposa, assim também qualquer inclinação em favor de uma constituição promulgada por um governo apodrecido nos deixará incapazes de discernir uma boa constituição.“
Quando reuniu os seus artigos e compôs “Senso Comum”, houve um surpreendente sucesso tanto no que toca à tiragem de cem mil cópias, quanto à penetração das suas ideias. O estilo provocante foi criando o espírito da Independência das 13 Colónias, mesmo a custo de muito sangue e sacrifício. Aqui cabe um comentário: geralmente a História engrandece os generais e os combatentes pelos grandes feitos, mas nos bastidores, pessoas ditas comuns preparam o terreno, e o jornalista Paine foi um destes ideólogos da revolução, e fê-lo com maestria. Cito algumas duras constatações dele acerca da monarquia inglesa:
“É ridículo dizer que a Constituição da Inglaterra é uma união de três poderes que se controlam reciprocamente: ou aí as palavras não têm significado, ou não passam de contradições vulgares.“
“Que heresia o título de sagrada majestade aplicada a um verme que no meio do seu esplendor se desfaz em pó!“
“Os que se consideram nascidos para reinar e julgam os outros nascidos para obedecer logo se tornam insolentes.“
“Na Inglaterra o rei pouco mais faz além de promover a guerra e distribuir postos, o que, em palavras simples, significa empobrecer a nação e mergulhá-la na discórdia. Belo negócio para um homem receber oitocentas mil libras esterlinas por ano e ainda por cima ser adorado! Muito mais vale para a sociedade e para Deus um homem honesto do que todos os rufiões coroados que jamais viveram.“

Na tentativa de convencer a opinião pública, Paine recorria até às Sagradas Escrituras, aventando o enunciado de Deus para que não admitissem reis como se estes fossem deuses. O certo é que com argumentos tão convincentes, sendo que o povo se via espoliado pela Coroa, tudo isso foi o fermento necessário para a eclosão da Guerra da Independência. À custa de muito sangue, a emergente nação aliou-se à França (histórica inimiga da Inglaterra) e aos poucos foi-se constituindo no grande país que é hoje, enriquecido sobremaneira após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Paine foi signatário da Declaração da Independência (nada mais natural) e foi secretário da Comissão de Negócios Estrangeiros no Congresso.
O seu espírito indómito o indispôs mais uma vez e este foi demitido, viajando até França para tentar vender um projeto de uma ponte de ferro que não vingou. Interessante observar a sua verve de construtor também. O certo é que os seus textos já circulavam tanto em Inglaterra como na França, e granjearam-lhe muita fama. Chegou a passar um período na prisão, em Inglaterra, e graças às negociações diplomáticas obteve o perdão e o retorno aos Estados Unidos, mas o certo é que o escritor já era um homem melancólico e entregue à bebida. Faleceu a 8 de junho de 1809, sendo sepultado em New Rochelle, em Nova Iorque, aos 72 anos.
Insisto na tese e perdoem-me a repetição: George Washington (1732-1799) e Benjamin Franklin são reconhecidos como os grandes artífices da Independência e isso é justo. Da mesma forma que os generais e soldados que arriscaram a vida nos campos de batalha. Mas a parte literária, filosófica e publicitária coube a Thomas Paine e isso, acreditem, não é pouca coisa. Leiam “Senso Comum” à procura de paralelos em relação a muitos governos ditos democráticos hoje em dia.
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