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Porque A Arte Somos Nós

Ainda não estava cumprida a primeira década do século XXI e a Pixar já era um nome sonante no reino animado do cinema. A título de exemplo, no ano anterior à estreia de “Up” (2009), o estúdio já havia lançado uma das histórias de amor mais distintas e tocantes de sempre do género: “WALL-E” (2008). Não era preciso recuar muito mais no tempo para encontrar outras obras galardoadas que marcaram a cultura popular. Entre elas, a comédia familiar “Monstros e Companhia” (2001), a primeira longa-metragem corealizada pelo Diretor de Criação do estúdio, Pete Docter. Um dos principais responsáveis pelo sucesso indubitável do filme que protagoniza esta crítica.

“Up” conta a história de Carl Fredricksen (Ed Asner), um rapaz com o sonho de explorar a América do Sul e encontrar Paradise Falls, local onde impera uma cascata gloriosa. Unida com ele nesse objetivo está o seu par, Ellie (Elie Docter), muito embora nunca tenham priorizado a aventura que tanto desejavam. Em vez disso, a vida do casal foi marcada por pequenos grandes eventos: idas ao parque, leituras, decoração de interiores, arrumações, limpezas, risos, choros, felicidades e tragédias. Já no alto dos seus 78 anos, Carl decide comprar dois bilhetes para fazerem a viagem, mas foi tarde de mais.

Carl Fredricksen (Ed Asner) e Ellie (Elie Docter)

A doença roubara-lhe a parceira de sempre, e com ela, também o seu ânimo se esmoreceu. Tornou-se carrancudo, pouco expressivo e refugiado no isolamento. A agravar a sua situação estática e constrangida, a cidade onde sempre viveu está em mudança e a terra ocupada pela sua casa é necessária para futuras construções. Depois de um acidente sangrento, o senhor perde o direito à residência e é alocado num lar.

Inconformado, Carl, que vendeu balões a vida toda, ata centenas de balões coloridos à casa e começa a flutuar em direção à América do Sul. No entanto, não parte sozinho. Russel (Jordan Nagai), o jovem explorador que já tinha interpolado o protagonista antes, aparece inadvertidamente em pleno ar, deixando-o sem opções para além de o acolher na viagem.

O filme começa de forma atipicamente emotiva, com os primeiros minutos a mostrar um exemplo perfeito de narrativa visual. Uma montagem que compacta a vida de Carl e Ellie. Nada menos do que um turbilhão de sentimentos. De imediato, estabelecemos uma conexão empática com o protagonista. Pouco ou nada disse, mas a sensação de que o conhecemos é inevitável. É um ponto de partida fortíssimo que sustenta a jornada que se segue. Uma peripécia de autodescoberta, onde Carl terá de aprender a deixar o egoísmo de parte, superar a morte da esposa e sentir que é na ação de estender a mão ao outro que está o verdadeiro virtuosismo.

É certo que existe um vilão que representa a antítese do protagonista, cujo desempenho vocal malicioso coube a Christopher Plummer. É um contrapeso funcional e confere energia à história num momento necessário. No entanto, a superação interna e a mudança de perspetiva de Carl é que são os verdadeiros catalisadores do subsequente clímax da história. Momentos em que a magistral música de Michael Giacchino permite que o protagonista tenha o seu próprio tema. Até então a sua alegria estivera sempre associada à de Ellie. Mas não mais. Carl escolhe avançar com a sua vida e no processo impacta os que o circundam, abandonando a sua casa, representativa da nostalgia e do luto, no processo.

Russel (Jordan Nagai), Carl Fredricksen (Ed Asner) e Dug (Bob Peterson)

Esplendidamente animado em três dimensões e tingido com tutti frutti, “Up” nutre ainda de personagens secundárias que ajudam a colorir o enredo: Russel é uma companhia empenhada em qualquer viagem e acrescenta uma dimensão relevante de subtexto; Kevin, a ave exótica, proporciona momentos hilariantes de comédia física; e até Dug (Bob Peterson, que também corealiza o filme), o cão rebelde que encontram pelo caminho, faz muito com pouco tempo de ecrã. A energia e graça que transmitem tornam as cenas de ação mais palpáveis e empolgantes. Seja em terra ou nas alturas, para onde o terceiro ato nos leva.

No meu debate interno sobre os méritos e deméritos desta animação cheguei com frequência a uma conclusão. É muito difícil apontar-lhe o dedo. Ainda que tenha uma preferência nostálgica por filmes como “Monstros e Companhia” ou “À Procura de Nemo” (2003), o que Pete Docter e Bob Peterson alcançam com “Up” é tremendo. Uma história imaginativa, bem-disposta, carregada de camadas e de técnica, assim como um coração agridoce. Por entre a sua riqueza temática, destaco a importância de apreciar o somatório dos momentos mundanos e não valorizar assim tanto os grandes planos que nunca se concretizaram. Pois o que somos nós se não uma mão cheia de areia que nos escapa?

Bernardo Freire

Rating: 4 out of 4.

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One thought on ““Up”: Depois do adeus

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