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Porque A Arte Somos Nós

Reserve uma hora da sua vida para ler este belíssimo conto. Publicado pela Editora Companhia das Letras (1998, 62 páginas), servirá também de estímulo para lerem outras obras-primas do escritor português José Saramago, o único Nobel em Língua Portuguesa: “O Evangelho Segundo Jesus Cristo“, “Ensaio Sobre a Cegueira“, “História do Cerco de Lisboa“, “Caim“, “Memorial do Convento” e outros. “O Conto da Ilha Desconhecida” é uma analogia muito digna entre sonhos e conquistas.

Um homem ousa bater à porta do rei pedindo uma embarcação que o levaria a conquistar uma ilha desconhecida. A tenacidade do pretendente bate de frente com a inércia burocrática do imperador, mas afinal as condições para que o postulante descubra a sua ilha desconhecida tornam-se reais. Condições materiais, mas para içar velas este homem teria que arregimentar marinheiros, contudo verifica-se a discrepância de ideais de pessoas que já estão acostumadas ao conforto daquela ilha já conhecida. Por quê trocar o certo pelo incerto? Desta forma, uma noite transcorre no impasse entre o sonho e a vida real.

É aí que aparece o Saramago onírico. A dicotomia “sombra-luz”, “vida-morte” alça o conto em frases bem concisas. Detalhe interessante para os leitores brasileiros, mas que os fãs da escrita saramaguiana já se aperceberam, é para a linguagem lusitana de raiz, o que pede uma atenção redobrada e que nos exige olhos atentos.

O postulante encontra a sua companheira, separados que estão apenas por camarotes neste barco. “Menos âncora, mais velas”, parece ser a mensagem do escritor. Uma ilha que se localiza no mais íntimo do ser humano, com as suas incertezas e contradições. A vela que ilumina o rosto da companheira tendo como pano de fundo uma lua que brota de um oceano, daí beleza. A partir de certo momento, o barco parece transformar-se na própria ilha flutuante com destino ao coração do requerente. Uma metáfora muito bem elaborada por Saramago e um deleite de uma conversa para com uma obra tão impactante!

José Saramago

Presto aqui uma homenagem ao meu professor de Filosofia Clínica, Lúcio Packter, que foi quem me apresentou Saramago, através de uma das crónicas do seu livro de ensaios. Cito a íntegra:

José Saramago

José Saramago tem um pequeno livro chamado “O Conto da Ilha Desconhecida”.

Um homem foi à casa do rei pedir um barco e disse que não iria embora enquanto não tivesse um barco. Como isso não acontece sempre, e na verdade nunca, o povo, o pessoal do rei e o próprio rei, em poucos dias, começaram a se interessar pelo assunto.

O rei perguntou o que ele queria… e o homem disse que queria um barco para ir à procura da ilha desconhecida.

Para o homem os mapas só mostravam as ilhas conhecidas e não as desconhecidas. Além disso, era possível que não houvesse ao menos uma ilha desconhecida. O homem pensava que ao rei somente interessavam as ilhas conhecidas; a ilha desconhecida, portanto, seria dele.

Mas o rei disse que quando a ilha desconhecida se tornasse conhecida, então também seria de sua propriedade como as outras ilhas.

O povo simpatizou com a causa e começou a gritar:

— Dá-lhe o barco, dá-lhe o barco.

Quando o capitão que daria o barco ao homem soube que este não sabia navegar, disse:

— Capitão sou eu, e nem eu me atrevo com qualquer barco.

— Dá-me então um com que possa atrever-me eu.

… o homem que não sabia navegar, que não tinha barco, que não sabia onde estava a ilha desconhecida, que não tinha uma tripulação, tinha um sonho que o fez ir ao rei.

A ilha desconhecida nunca foi encontrada.

Mas o sonho talvez tenha valido um tanto da ilha.

Marcelo Pereira Rodrigues

Rating: 2.5 out of 4.

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