O filme “La Historia Oficial” do realizador Luis Puenzo, é um drama baseado em factos reais, lançado em 1985, com os atores Héctor Alterio, Norma Aleandro, Hugo Arana, Patricio Contreras e Chunchuna Villafane. Vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1986, foi premiadíssimo por esse mundo fora em festivais e mostras, entre eles Berlim, Veneza, Cannes e muitos outros. Disponível na Netflix, esta longa-metragem é uma verdadeira aula de história.
Tudo se passa na primeira metade da década de 1980 na Argentina, com uma rigorosa professora de História que tem que lidar com alunos rebeldes do ensino secundário. Alguns são contestadores, ainda mais por estarem a entrar na vida adulta, e ficamos logo a saber que a professora é casada com uma importante figura do governo. Governo esse que está nos estertores, convivendo com manifestações pacíficas (e outras nem tanto, embora na película só apresentem as passeatas e os gritos de ordem).

Uma ditadura militar que vinha da guerra com Inglaterra pela posse das Malvinas – em que perdeu facilmente – e que vinha de expurgos, perseguições, torturas e mortes a dissidentes políticos no próprio país. A fotografia e os cenários ao longo do filme são extraordinários, fazendo-nos viajar no tempo.
Inicialmente alienada da sua condição social e dividindo o seu tempo entre as aulas, o cuidado da filha Gaby e os jantares com casais de amigos, Alicia (personagem interpretada por Norma Aleandro) vai se dando conta de que ensina História, mas desconhece a sua própria. Isso porque, estéril, havia adotado Gaby que fora arrancada do útero de uma prisioneira política, morta a seguir. O seu marido, Roberto, que tinha laços fortes com o governo, já superou esse detalhe e ama incondicionalmente a miúda.
O ambiente que se descortina para a professora é revelador: na escola, os alunos contestadores fazem uma colagem de jornais com os desgovernos da Presidência da República; um colega professor de Literatura que em muito se assemelha ao professor de “O Clube dos Poetas Mortos” (1989) permite uma bagunça nas suas aulas apresentando textos e misturando teatro; e as manifestações das avós da Praça de Maio são emblemáticas. Trata-se de uma manifestação pacífica que existe até aos dias atuais em Buenos Aires, onde os parentes protestam silenciosamente de forma a deixar a história viva, referente aos seus entes torturados e desaparecidos, digo, mortos.

Um detalhe chamou-me muito a atenção, e foi o despertar para que Alicia investigasse sobre as origens da sua filha. Numa festa de aniversário, ela acaba por ficar isolada e, quando tem a porta arrobada por miúdos traquinas, dispara em si um gatilho emocional de medo e catatonia, embora passageiros. Na altura dá para observar os traumas de um feto, psicologicamente escrevendo. E são com as informações e pistas do médico, que a tranquiliza e afirma que Gaby ficará bem, que ela partirá em busca de hospitais até que acaba encontrando a avó da menina, que teve sim uma filha morta anos antes, pela polícia do governo.
Roberto é um personagem obscuro. Embora não fique óbvio que ele tenha praticado atos de tortura, só o simples apoio ao governo sanguinário o compromete. Isso com os próprios pais e o irmão Enrique. É num destes almoços forçados de família que essas escaramuças ideológicas afloram, os parentes a apontar Roberto como sendo um empresário oportunista, o perfil dos poucos que enriqueceram num país de miseráveis.
Uma película que nos embala do início ao fim, e não poderiam ter iniciado melhor, com o bonito Hino da Argentina, e a narração de uma história que até hoje apresenta cicatrizes para o povo daquele país.
Mais do que merecidos todos os prémios. Visualizem e tirem as vossas conclusões.
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