Poucos são os planos que não têm um pendor de mortalidade no drama histórico da Netflix, “The Dig” – em português “A Grande Escavação“. Seja pelo conteúdo da escavação que o nomeia, os aviões britânicos que sobrevoam as personagens em direção à guerra temível ou o fraquejar cardíaco de Edith Pretty (Carey Mulligan). Ainda assim, uma ambiência de graça penetra a narrativa que é assinada por Moira Buffini, adaptada do romance histórico de John Preston, com o mesmo título. Quanto à realização, é levada a cabo pelo australiano Simon Stone, que previamente coordenou “A Filha” (2015) para fins algo tímidos.
Seis anos depois, a sua segunda longa-metragem transita da ficção para a semi-ficção. Estamos em Inglaterra, mais precisamente em Suffolk, no ano de 1939 – véspera da Segunda Grande Guerra. Edith Pretty, uma senhora viúva e de posses, acabara de contratar o arqueólogo autodidata Basil Brown (Ralph Fiennes) para trabalhar um pedaço de terra. Prontamente, o Sr. Brown começa a escavação no local indicado, na esperança de encontrar, quem sabe, algo digno de intriga. Para seu espanto, aquilo que descobre é o sonho molhado de qualquer explorador. Objetos que remontam não há época dos Vikings, mas a uma cultura anterior, os Anglo-Saxões.

O que sucede depois dos indícios da revelação é uma luta de pertença e reivindicação, com responsáveis de museus a reclamar o direito dos achados. Tendo isto presente, a força motriz da obra reside principalmente no seu subtexto. Com um olho no passado e outro no futuro, as personagens divagam sobre a premência da escavação e o receio incógnito dos conflitos vindouros. Uma meditação sobre a importância de conhecer o que passou para compreender o presente, assim como seremos recordados na posteridade. Os temas são recorrentes em dramas preocupados com o sentido da vida ou a relevância do indivíduo na espetro total da História.
No entanto, “The Dig” consegue atingir um certo grau de diferenciação através da poesia da sua imagem e narração. A direção de fotografia do experiente Mike Eley promove interjeições de esplendor, com expansivas planícies inglesas e céus abertos a protagonizar um vasto pano de fundo. Qualidade que está em estreita aliança com os seus tópicos mais existenciais e contemplativos.
Foram várias as sequências em que desejei estar a ver o filme no cinema. A própria montagem, que por vezes dessincroniza o diálogo com os seus planos correspondentes, estimula os sentidos e envolve o espírito. Mesmo quando o tardio subenredo do triângulo amoroso – que pouco acrescenta ao filme – subtrai pontos à experiência.

Já no reino das interpretações, Mulligan e Fiennes são majestades, não obstante a dedicação das prestações secundárias – Lily James volta com uma postura sólida, na pele da jovem arqueóloga Peggy Piggott. Mulligan está a interpretar uma senhora que na realidade era mais velha, um facto que pode distrair quem estiver ocorrente.
No entanto, a debilidade e preocupações que encarna conferem-lhe uma gentileza infinitamente filmável. Aspeto este que Fiennes partilha na maneira como representa a personalidade real. Um homem simples mas culto, que nada mais deseja do que o bem de quem lhe é próximo e o reconhecimento pelo seu trabalho. Juntos, formam boa companhia. Um amor platónico sobre o qual o filme se debruça sem excessos.
Com um enredo fino em acontecimentos, o trabalho de atuação dos protagonistas é determinante para o sucesso de “The Dig”, visto que ajuda a escavar de forma mais profunda a substância da narrativa. Sofre de algumas personagens meramente funcionais e um subenredo algo insatisfatório (que ainda assim é bem interpretado), mas prevalece uma dramatização com bastantes nuances na semiótica que apresenta e uma visão própria. Características amplamente apreciadas em qualquer obra à qual se reconheça valor.
Se queres que OBarrete continue ao mais alto nível e evolua para algo ainda maior, é a tua vez de poder participar com o pouco que seja. Clica aqui e junta-te à família!
One thought on ““The Dig”: O significado de meditar o Tempo”