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Porque A Arte Somos Nós

Nascido em 1865 em Moscovo, na Rússia, Yevgeni Bauer mostrou uma queda para o artístico desde tenra idade. Chegou a participar em teatro e dramatizou algumas das suas cenas preferidas por influência da sua irmã, que era atriz profissional. Esta sugestão marcava os primeiros passos de alguém que no outono da sua vida iria marcar a cinematografia russa do início do século XX.

O cinema era ainda infante quando o autor transitou da caricatura e da pintura para o universo entusiasmante das imagens em movimento. Foi criador de mais de 80 filmes entre 1913 e 1917, mas apenas 26 perduraram no tempo. Quando o assunto é o cinema mudo, o seu nome está longe da boca do povo. Comparado a mestres como os Irmãos Lumière, D. W. Griffith ou Charles Chaplin, é erroneamente desconhecido – seja pela sua ousadia técnica e experimental, seja pela contribuição que deu ao melodrama.

As suas narrativas eram inspiradas pelo fatalismo arrebatador da literatura russa da segunda metade do século XIX, onde a partir de cenários naturalistas e luxuosos, Bauer explorava o amor e a morte de forma negra e pessimista. Marcas que se podem encontrar logo desde o primeiro filme do cineasta – “Twilight of a Woman’s Soul” (“Sumerki zhenskoy dushi“) (1913). Nesta história, um evento marcante na vida de uma mulher acontece fora da tela, sugestionado pelo poder incisivo da montagem. No entanto, assinaturas como assombrações e a ocasional coloração de cenas-chave ajudavam a demonstrar o poder visual da sua filmografia futura.

“Twilight of a Woman’s Soul” (1913)

Sempre com uma dose substancial de melancolia, as curtas-metragens “The Girl From the Street” (1914) e “Daydreams” (1915) avançam com destreza o esplendor visual e narrativo do cinema contemporâneo de então. Na primeira, algumas cenas estão parcialmente cobertas por cortinas e tecidos, o que eleva o patamar da teatralidade espelhada pelas performances. Usava espelhos e reflexões como proposta estilística, não sabendo que rapidamente a técnica tornar-se-ia cliché em géneros particulares e no cinema em geral. Experimentou com ângulos e posicionamento de câmara, com notoriedade para a fotografia através de janelas ou montras de lojas.

Na segunda, a obsessão de Bauer pela paixão é imortalizada pela memória de um homem que perdera a sua mulher no início do conto. O desenvolvimento é macabro e uma interpretação dramática em palco constitui o núcleo temático da narrativa. Nessa peça dançante, mulheres surgem de campas como um defunto que retorna à vida. Uma metáfora visual que corresponde ao reacender de uma chama que levaria o protagonista à loucura completa.

“Daydreams” (1915)

Este último é um dos meus preferidos do cineasta, a par com “After Death” (1915), um filme arrepiante que prepara o olho para cinco anos depois “Das Cabinet des Dr. Caligari” (1920) assombrar o cinema expressionista alemão. De novo, o decesso e o romance andam de mãos dadas à medida que um casal separado pelo fado delira entre a vida terrestre e o além. É uma verdadeira lição de luz e sombras, com aparições e várias cenas tingidas de amarelo (dia), azul (noite), cor-de-rosa (convívios) e vermelho (a reforçar a angustia do protagonista).

Face ao esquema de cores, o contraste com o preto e branco do mundo fantasmagórico é dramaticamente significativo. Ademais, a direção de fotografia coordenada pelo colaborador regular Boris Savelyev é impressionante. Há ligeiros movimentos para a esquerda, para a direita, recuos de câmara, medium shots e close ups. A fluidez com que as imagens progridem na narrativa é incomum para a época, assim como a utilização destas técnicas, pois a câmara que predominava era estacionária e muito menos dinâmica.

Yevgeni Bauer

Yevgeni Bauer cedia à sua mortalidade em 1917, depois de explorar a matéria com apreço, curiosidade e maturidade, tornando-se numa figura de destaque do cinema primitivo. Antes do tropeço final, realizou filmes como “The Dying Swan” (1917), onde a procura pela morte de um artista é tema ativo, e “For Luck” (1917), uma curta-metragem que tem o ato de mirar intrínseco no enredo que retrata. Uma conclusão irónica para um cineasta fascinante que levou à letra o facto da Sétima Arte ser um medium primariamente visual.

Bernardo Freire

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