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Talvez mais do que na maioria das restantes áreas de entretenimento, o meio dos videojogos é marcado por uma interessante característica, a de que os jogos devem poder ser jogados pelo máximo de pessoas possível e da forma que estas prefiram. Para isso contribuem as quase universais definições que permitem aos jogadores controlar a estética do jogo (fatores visuais como o brilho e o contraste, ou fatores auditivos como o volume das várias camadas de som do jogo), mas também parâmetros que alteram em grande escala o jogo como um todo (aqui fala-se sobretudo em níveis de dificuldade ou na existência de ajudas).

Também mais do que noutros meios, as chamadas “definições de acessibilidade” permitem a jogadores com deficiências motoras, auditivas, visuais ou até cognitivas experienciar jogos que, sem estas opções, lhes seriam inacessíveis. Estas opções podem estar relacionadas com o completo remapeamento de botões, permitir legendas com tamanho e tipo de letra apropriados, usar esquemas de cores preparados para pessoas daltónicas, ou até controlar a dificuldade de várias mecânicas do jogo (a vida das personagens, dano, entre outras).

“Bloodborne” foi lançado em 2015, entre o lançamento de “Dark Souls 2″ e “Dark Souls 3”

Contrariando um estilo de design que procura não excluir nenhum grupo de jogadores, “Bloodborne” aventura-se por caminhos distintos. Para perceber melhor o contexto do jogo, importa referir alguns aspetos do seu desenvolvimento e funcionamento. A empresa responsável pelo desenvolvimento do jogo foi a FromSoftware, conhecida sobretudo pela série de “Souls“, RPGs (role-playing games) de ação conhecidos pelo brutal nível de dificuldade. A intenção com o lançamento de “Bloodborne” em 2015 foi a de criar uma nova propriedade intelectual que divergisse da série “Souls”, mas que mantivesse as ideias implementadas por outros jogos da desenvolvedora. O jogo foi lançado em março de 2015 pela Sony, em exclusivo para a PlayStation 4.

Como em jogos anteriores da empresa, “Bloodborne” é jogado na terceira pessoa, controlando um protagonista que pode ser customizado e foca-se em grande parte nas mecânicas de combate. Este protagonista silencioso, conhecido por “The Hunter”, terá que explorar várias zonas da cidade de Yharnam, enfrentando vários tipos de bestas com o objetivo de desvendar os mistérios que transformaram os habitantes da cidade em monstros. O design de Yharnam é inspirado na arquitetura gótica e no trabalho literário de autores como H. P. Lovecraft ou Bram Stoker, sendo o world building e o level design os dois dos principais pontos fortes do jogo.

Ainda que a construção das várias zonas de Yharnam não peque por falta de detalhes, conteúdo ou segredos, é no combate que o jogo cria a sua principal característica distintiva. O jogador pode a qualquer momento equipar uma arma na mão esquerda (por norma uma pistola ou semelhante) e uma arma na mão direita, ou transformar a arma da mão direita numa arma de duas mãos.

É possível escapar de ataques inimigos premindo o respetivo botão, contudo, várias mecânicas são criadas pelo jogo para fomentar um estilo de combate ofensivo. O chamado sistema de “Rally” permite aos jogadores recuperar vida perdida se causarem dano ao inimigo numa curta janela de tempo depois de o jogador ter sofrido dano. A grande rapidez de ataque de muitos dos inimigos provoca também uma aceleração no ritmo dos combates.

“Bloodborne” apresenta uma grande variedade de bosses, todos eles grandes desafios

Regressando aos parágrafos introdutórios, algo que fica na mente de qualquer jogador que se aventure pela primeira vez em “Bloodborne” é a quantidade de vezes que o jogador morre, por mais experiência que tenha, não só pelos fracos atributos com que “The Hunter” inicia o jogo, mas pelo simples facto de que a maioria dos inimigos é absolutamente implacável. A grande necessidade de ter que repetir inúmeras vezes não só bosses como áreas inteiras do jogo é algo que faz desistir muitos jogadores logo nas primeiras horas.

Adicionalmente, a inexistência de um botão de pausa, de gravação e carregamento manual de saves, a impossibilidade de remapear os controlos e a perda de todos os blood echoes (a moeda do jogo) sempre que o jogador morre, deixam muitos jogadores a pedir por níveis de dificuldade mais baixos e definições de acessibilidade que permitam o jogo chegar a um público maior, que pretenda focar-se mais na exploração sem ter que ver as palavras “You Died” centenas de vezes no ecrã.

Numa situação normal, seria impossível não concordar com a justiça desse pedido. O meio dos videojogos, como fator de entretenimento, deve fazer de tudo para chegar ao máximo de pessoas possível. Porém, “Bloodborne” faz a escolha de manter o jogo fechado nesses aspetos e, discutivelmente, faz uma escolha acertada. Para o diretor do jogo Hidetaka Miyazaki, a intenção de “Bloodborne” e dos restantes jogos “Souls” é a de dar aos jogadores uma sensação de conquista e realização através da superação de desafios tremendos. A sensação de fraqueza e insignificância é um dos objetivos do jogo, para que cada confronto seja abordado cautelosamente e que, quando concluído através da aprendizagem e crescimento, consiga trazer uma maior satisfação.

“Bloodborne”, como qualquer outro jogo, cria mecânicas e incentivos (ou penalizações) para obrigar os jogadores a jogar de uma determinada forma e, assim, atingir uma experiência desejada. A dificuldade do jogo serve para que o jogador necessite de perceber cada vez melhor o sistema de combate e recompensar aqueles que consigam aprender com cada morte. Da mesma forma, pouca satisfação se compara à de dar o último golpe num boss de “Bloodborne”, uma sensação de satisfação genuína.

Existindo uma dificuldade mais baixa, a satisfação em encontrar um atalho ou derrotar um determinado inimigo/boss não seria a mesma e, por consequência, a experiência pretendida por Miyazaki não seria atingida. Quaisquer alterações feitas ao jogo, alterariam os seus fundamentos. Sendo “Bloodborne” uma obra-prima, são opções completamente desculpáveis.

Luís Ferreira

Rating: 4 out of 4.

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One thought on “Jogo: “Bloodborne” – Sacrificar público pelo bem do jogo

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