O filme brasileiro “Partida”, do realizador Caco Ciocler, é um documentário que narra os momentos posteriores à eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência do Brasil, em 2018, com a atriz Georgette Fadel transtornada para aquilo que ela entende como o advento do fascismo e da extrema-direita no país.
Nos últimos cinco dias daquele ano, ela e uma trupe empreendem uma viagem de autocarro até ao Uruguai, na expectativa de abraçar o ex-Presidente daquele país, o admirável José Pepe Mujica. O maniqueísmo na visão política de Georgette chega a ser infantil: na luta do bem contra o mal; do herói contra o vilão; a miopia parece querer acreditar que a eleição do oponente à Presidência do país seria o paraíso.

Para o público português que assistiu a este filme, um esclarecimento importante: a corrupção desenfreada no Partido dos Trabalhadores (PT) é que ocasionou a eleição de Bolsonaro. Luiz Inácio Lula da Silva, espécie de santo para estes míopes, foi condenado e detido por corrupção ativa, e ainda responde a processos que só o incriminam mais. Simples assim. Trata-se de um bandido.
O autocarro que serve de condução à trupe é do ano de 1977, e parece que a ideologia reinante ainda é a daquele ano: dialética pobre, frases clichês e chinfrins, briguinha tais capitalismo x comunismo; Portugal, a grande nação Satã que explorou a colónia Brasil por 500 anos e segue a ladainha ‘esquerdopata’ (misto de um tipo de indivíduo de esquerda que é um verdadeiro sociopata).
Georgette tenta ser candidata à Presidência do Brasil em 2022, mas a ver a sua arrogância discursiva e a sua miopia na análise de factos básicos, o brasileiro pode ficar sossegado que deste mal não irá sofrer. O contraponto a este discurso comunista de quinta categoria fica a cargo do desenvolvimentista e “capitalista” Léo Steinbruch, que tolera os discursos inflamados da sua oponente. Sarah Lessa, Paula Cesari e Vasco Pimentel são alguns destes passageiros, e por vezes, questões políticas partidárias são defendidas, e a ver o martírio que por vezes é suportar o outro, afinal, lembram-se da máxima de Jean-Paul Sartre (1905-1980) de que “O inferno são os outros“?

O documentário tem o mérito de nos fazer viajar juntos, e quando cruzamos a fronteira com o Uruguai, que já teve o epíteto de ser “A Suíça da América do Sul”, pois bem, a película proporciona este deleite. O encontro com Mujica é o gran finale e realmente o ex-Presidente é figura peculiar: com o seu indefetível fusquinha, leva uma vida simples numa estância e é uma avis rara neste atual cenário político corrompido.
Aqui no Brasil, pessoas arrazoadas costumam afirmar que a discussão política acabou a resumir-se a um Fla x Flu (fazendo uma adaptação para Portugal, pensem numa contenda Benfica x Porto). Ao lerem esta crítica, poderão aventar que sou uma espécie de membro da extrema-direita, mas nada. Sou um pensador e, de forma equilibrada, percebo as doses de autoritarismo de nosso atual Presidente. Um governo incompetente e inculto, vá lá, mas do outro lado do front o cenário que se mostrava não era às mil maravilhas.
Com maniqueísmo raso, na contenda do “nós x eles”, a única coisa que se salva são a participação da bela criança Luiza e do passeio no veículo 77, mesmo com ruídos por vezes insuportáveis.
Este filme foi exibido no Porto/Post/Doc no dia 25 de Novembro (quarta-feira), às 20:30 horas, no Teatro Rivoli.
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