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Porque A Arte Somos Nós

O festival Porto/Post/Doc deste ano trouxe consigo bonitas produções, quer sejam longas-metragens ou curtas-metragens. Este artigo analisará as curtas da secção “Cinema Falado” do festival, focada exclusivamente em filmes lusófonos, tendo como objetivo divulgar a língua portuguesa em toda a sua diversidade, bem como as cinematografias de diversos países de língua portuguesa. As três obras aqui analisadas são: “Noite Perpétua“, “O Que Não Se Vê” e “A Dança do Cipreste“.

“Noite Perpétua”
  • Noite Perpétua“, realizado por Pedro Peralta (2020)

Em Espanha, abril de 1939, dois guardas durante a noite aparecem na porta da casa onde a personagem central se está a refugiar com a sua família. Posteriormente é-lhe solicitada a sua presença na delegacia. Assim, a mulher compreende imediatamente a fatalidade desta visita e, mesmo condenada injustamente, sem qualquer possibilidade de fuga, ela pede para se despedir, pela última vez, da sua filha recém-nascida.

Estamos aqui perante um filme altamente contemplativo, onde o próprio silêncio comanda maioritariamente a índole da narrativa. É uma história bastante forte, elucidativa, na qual o contexto político se sobrepõe às próprias relações pessoais. Nesta noite perpétua, os minutos parecem horas e, portanto, a falta de tempo é a eternidade do próprio tempo. O som ensurdecedor do choro da sua bebé contrasta em tom com a tranquilidade (resignação) que o segundo ato apresenta.

Há, portanto, sinais de despedida, num rosto notoriamente cansado e conformado, e no qual a escuridão tem talvez o maior dos impactos. Toda a harmonia negativa que as estrelas, a fogueira que se avista e o uivar dos cães, permite que o vazio narrativo se adense com bastante personalidade. Uma produção interessante, com algumas falhas na transição entre planos emocionais, carecendo de alguma originalidade; no entanto, subjuga o espectador a uma experiência de realismo e vazios cinematográficos com bastante substância.

Rating: 2.5 out of 4.

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“O Que Não Se Vê”
  • O Que Não Se Vê“, realizado por Paulo Abreu (2020)

Este filme foi rodado em duas ilhas dos Açores, Pico e Faial, entre 2015 e 2016. Tem, no fundo, no poder da Natureza e no papel do acaso no processo criativo uma narrativa sobre a amizade, sobre o cinema e a influência do inesperado na criação artística. Estamos assim perante uma produção bastante contemplativa, cómica e descontraída. A envolvência da beleza dos Açores é transposta através de uma fotografia de realce poético, que acompanha a par e passo a sua beleza mais inteligível.

O grupo de amigos reúne-se numa descoberta metafórica, ao mesmo tempo bastante subtil como efémera em tom, numa produção low cost repleta de ousadia mas, acima de tudo, de assertividade fílmica.

O que não se vê nesta produção é, objetivamente, quase nada, porque somos transportados para uma dimensão catártica só ao alcance de obras cuja ousadia e capacidade de reinvenção são as suas palavras de ordem. Seguramente, uma das melhores surpresas deste festival, precisamente pela sua capacidade de tocar em temas de forma assertiva, romântica e, ao mesmo tempo, tão elucidativa.

Rating: 4 out of 4.

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“A Dança do Cipreste”
  • A Dança do Cipreste“, realizado por Mariana Caló e Francisco Queimadela (2020)

Este filme nasce do interesse pelas transformações imanentes do corpo impulsionadas pelos sonhos e pelo desejo, amor e morte, nas suas variantes lúcida e fantasmagórica. Abraçando a influência da imaginação no encontro com a natureza, traz à tona relações de continuidade e descontinuidade com outros seres e elementos, pois segue os movimentos de um círculo familiar, que juntos ou individualmente se encontram em projeções mútuas e relações simbióticas, nos dias passados ao ar livre e em lugares imaginários. Um retrato sensorial, que combina simples relações de contacto e afeto, momentos exploratórios da natureza e criações do espírito.

Esta produção revela, mais uma vez, um toque severo de contemplação, um predomínio do toque e do retrato, traduzindo, objetivamente, um sentimento profundo de calma e tranquilidade. A Natureza toma conta dos desígnios mais profundos desta curta-metragem, cujo norte cinematográfico acompanha suavemente uma banda sonora com imensa personalidade e um tanto ou quanto hipnotizante.

Uma das mensagens mais fortes é, sem dúvida, todo o paralelismo e reflexão que se faz relativamente à angústia do homem no tempo e até o ritmo poético e tocante que envolve a nossa interioridade. Explora, portanto, no fundo, a (des)continuidade da vida, conseguindo criar uma sensação idêntica à essência da nossa própria existência: num estalar de dedos, o desfecho é consumado (de forma satisfatória).

Porém, o filme tem alguns problemas de timing narrativo, não conseguindo uma envolvência escrita muito coesa, apesar de todo o ambiente reconfortante que cria. Por outro lado, eleva o espírito mais catártico do espectador, com uma experiência que tem no subtexto a sua maior valência.

Rating: 2.5 out of 4.

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Pela beleza da sétima arte.

Estas curtas-metragens foram exibidas no Porto/Post/Doc no dia 25 de Novembro (quarta-feira), às 20:00, no Teatro Rivoli.

Tiago Ferreira

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