Para quem teve oportunidade de viver o evento do aparecimento da New Wave na década de 1980 em Portugal, recorda com saudade a enorme lufada de ar fresco que vivemos por essa altura. Não que houvesse falta de muita e boa música para ouvir, até porque, e como já referi em outros artigos que escrevi, vivíamos os anos pós-revolução e tudo o que viesse era pouco para quem durante décadas teve acesso a praticamente nada. Este pequeno país do sul da Europa consumia já o que de mais relevante o mercado musical comercializava por esse mundo fora, mas, ainda de forma progressiva e com pouco conhecimento dos meandros da produção à escala global, dominada pelos dois pólos Américo Anglo-saxónicos: Reino Unido e Estados Unidos da América.
Por meados da década de 1970, o panorama musical era dominado, para além da música popular e o disco, pelo rock nas suas mais variadas formas. Entre elas dominava já o punk rock, no seu estilo contestatário fortemente marcado por guitarras e percussão acompanhadas por vocalizações acentuadas e agressivas, em temas curtos e de tempos marcados em cadência repetida. A classificação deste movimento é feita no início da década aquando do surgimento de bandas, mais ou menos anárquicas, oriundas de movimentos alternativos ao chamado rock clássico, que emergiam do submundo como “Garage Rock Bands” nos finais dos anos 1960. A título de exemplo, bandas como os Ramones (1974) nos Estados Unidos, ou os Sex Pistols (1975) e os The Clash (1976) no Reino Unido, são ainda hoje uma referência do movimento punk. Todas elas emergem mais ou menos na mesma altura e marcaram, decididamente, uma época.
The Clash – Should I Stay Should I Go
Sex Pistols – God Save The Queen
É então que, pelo fim dos anos 70 e início dos 1980, começam a surgir algumas bandas que, não se identificando com o lado mais “duro” do punk rock, dão origem a um estilo mais trabalhado tanto ao nível musical como ao nível estético, a new wave (Nova Vaga). Ao nível musical, estas bandas introduzem um novo elemento na produção sonora, o sintetizador, tornando a construção dos temas mais trabalhada e mais harmoniosa à audição, apesar da manutenção de tempos relativamente rápidos por um lado, e variações rítmicas por outro. Um outro elemento importante na construção rítmica desta nova vaga são as baterias sintetizadas, produzindo batidas mais concisas e harmonizadas com o estilo pretendido. Já ao nível estético, estas novas bandas de new wave rompem quase por completo com o estilo vigente à época, pois partem para visuais mais trabalhados tanto ao nível do guarda-roupa como no contexto de actuação e enquadramento da banda. Para esta “revolução” muito contribuiu o surgimento da MTV em Agosto de 1981, pois tal como diz a música dos The Buggles, Video Killed the Radio Star, e os quatro ou cinco minutos de um videoclip vistoso valiam muitos discos vendidos. A imagem era (e continua a ser) fundamental. Apesar de numa fase inicial o movimento new wave estar associado a uma nova forma de punk rock, o tempo viria a mostrar que havia um espaço muito próprio para este “estilo” que ainda hoje exerce influência em algumas bandas.
The Buggles – Video Killed The Radio Star
São imensas as bandas que podem ser enumeradas no panorama da new wave, no entanto, vou apenas referenciar as que me parecem ter tido maior relevância. Nos inícios dos anos 1970, bandas como os Devo (1972) no seu estilo marcadamente electro punk e com uma versão interessante de (I Can’t Get No) Satisfaction (The Rolling Stones), os incomparáveis Talking Heads (1975) com David Byrne no comando deram origem a inúmeros temas que ainda hoje são uma referência, Ultravox (1973) ou a loirinha Deborah Harry com os Blondie (1974), foram os mentores do estilo. A partir daqui o surgimento de novas bandas foi quase imparável, tendo-se acentuado a questão visual-estética na maioria delas. The Cure (1976), Duran Duran (1978), The Human League (1977), The Cars (1976), OMD (1977), Spandau Ballet (1979) ou Thompson Twins (1977) marcam claramente a viragem da década de 70 para 80 como bandas de referência. É inesquecível o guarda-roupa arrojado, os penteados “futuristas”, as mulheres bonitas e atraentes que actuavam com as bandas e o gingar de corpo ao som dos novos ritmos. Como é possível esquecer Girls on Film dos Duran Duran, Souvenir dos OMD ou Don’t You Want Me dos Human League! Para além destes, Depeche Mode (1980), Culture Club (1981) com o excêntrico Boy George, o homem (!) dos chapéus, INXS (1977), Talk Talk (1981), Madness (1976) no seu inconfundível estilo ska, A-ha (1982) no seu incrível ritmo nórdico, os inconfundíveis Pet Shop Boys (1981), ou Soft Cell (1978) com o seu icónico Tainted Love que ainda hoje é imprescindível em muitas rádios, fazem também parte da revolução. Não é possível falar de new wave sem falar do projecto Joy Division, nascido em 1976 pelas mãos de Ian Curtis, Peter Hook, Bernard Sumner e Stephen Morris. Embora com um estilo muito próprio, a banda está intimamente ligada ao movimento post-punk, tendo produzido um som que, de alguma forma é indissociável da new wave. O projecto veio a ser interrompido com a morte de Ian Curtis em 1980 (suicídio), tendo sido retomado no mesmo ano pelos restantes membros, como New Order, sendo o antigo vocalista substituído por Gillian Gilbert. O som manteve-se.
Ao longo dos anos, a música vai-se adaptando ao gosto de quem a consome e, sem qualquer dúvida, a new wave marca uma época grande da história da mesma. Sinal disso é o facto de ainda hoje muitas das bandas atrás mencionadas serem ouvidas nas rádios e tocadas em discotecas. Diria mesmo que alguns temas permanecem como autênticos hinos, trauteados em uníssono pelos mais velhos e… pelos menos velhos! Sinal de que a new wave foi uma boa colheita.
Bons sons.
Jorge Gameiro