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Quando se fala do Iraque, é muito provável que a conversa não seja motivo de riso. É um país marcado por guerras, confrontos e invasões persistentes. Quando um conflito termina, acende-se de imediato um rastilho para que outro comece. Num ciclo aparentemente sem fim, o cineasta e argumentista belga Francis Alÿs propõe que a melhor forma de prevenir a perpetuação do circuito de miséria é consciencializar o mundo, e em especial os iraquianos, da história moderna da sua terra. Para o efeito, realiza “Sandlines: The Story of History”, que participa na Competição Internacional de 2020 do Festival de Cinema Porto/Post/Doc. Uma peça de teatro em formato fílmico que aborda um centenário amargo de espírito criativo.

As rodagens decorreram perto da cidade montanhosa de Mosul, onde uma série de crianças – os protagonistas da história – recriam o que aconteceu no Iraque desde o acordo secreto de Sykes-Picot, em 1916, até aos horrores do Estado Islâmico, em 2016. Sendo que um dos fatores de maior preponderância para os acontecimentos neste espaço temporal foi o surgimento do tão precioso petróleo dos seus solos. O que fez com que o país fosse fraturado, reagrupado, governado por ditadores e dizimado em quezílias internacionais.

Com a duração de apenas uma hora, a narrativa evolui à medida que os pequenos atores correm, saltam e brincam com um passado que na realidade nunca lhes pertenceu. Porque em última análise, é difícil ter sentido de pertença num país que teve quase sempre na mão de forças exteriores. Seja por influência do Reino Unido e da França ou pela recente invasão dos Estados Unidos da América. Acrescentam-se ainda a estas ocupações uma série de guerrilhas, entre as quais contra Israel, e golpes de Estado consecutivos. O que levou à eventual tomada de posse do infame ditador Saddam Hussein.

“Sandlines, The Story of History”

É uma história instável, sangrenta e muitas vezes desprezível. Contada em “Sandlines…” com gentileza e um tom de recriação que são mais do que bem-vindos. Nota-se alegria naquelas crianças aquando das filmagens. Um contentamento contagiante no qual o cineasta se rejubila. Exemplo dessa boa disposição é uma cena na qual um pai liga a um filho em plena filmagem e o plano insiste na criança enquanto ela diz ao telemóvel “Estou a gravar!“. Momentos como este preenchem com graça alguma da monotonia que se pode sentir uma vez por outra.

O que muitas vezes quebra o ritmo mais pausado é a linguagem não-verbal que Alÿs utiliza para justapor o que está a acontecer com o que está a ser narrado. Nem um rebanho de pasto é poupado ao simbolismo, aliando métodos teatrais com uma cinematografia que está enamorada com as areias da localidade. Perto do final, uma sombra de espada num punho que embate no terreno persegue uma pequena atriz, que tenta escapar dela com todas as forças. Uma metáfora visual para o terror jihadista que assola o país – “Sonhos tornaram-se pesadelos“, refere a narradora com pesar.

“Sandlines, The Story of History”

Findo um filme que nem sempre é de visualização fácil, sublinhasse a importância de deixar os iraquianos recuperar de uma linha interminável de eventos traumáticos que deixaram o país numa crise socioeconómica, governamental e infra-estrutural. Mais do que educar, “Sandlines…” emite a mensagem central de que está na hora do povo iraquiano ser finalmente o protagonista coletivo da sua história – emendando os tantos erros cometidos no passado e enfrentando de queixo erguido o futuro.

Este filme pode ser visto no Porto/Post/Doc no dia 23 de Novembro (segunda-feira), às 15:00 horas, no Teatro Rivoli. Consulta a programação diária aqui.

Bernardo Freire

Rating: 3 out of 4.

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