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Porque A Arte Somos Nós

Com o início do festival, os espectadores poderão ver dezenas de filmes durante aproximadamente uma semana, sendo que marcar alguns previamente na agenda possa ser uma ideia a ter em conta. Vamos explorar um bocadinho os programas “Transmission”, “Highlights” e “A Cidade do Depois”.

Programa Highlights

No campo da música, e a marcar a sessão de abertura do festival, a estreia nacional de “David Byrne’s American Utopia“, filme de Spike Lee baseado no disco e concerto de David Byrne. A fechar o evento, mais uma estreia a olhar para temas quentes do presente, “MLK/FBI“: obra realizada por Sam Pollard que segue Martin Luther King Jr. enquanto este é alvo de uma investigação com laivos de perseguição pela instituição policial americana.

Voltando a “American Utopia”, David Byrne é um dos nomes mais incontornáveis da música dos últimos 40 anos. Como fundador dos eternos Talking Heads, a solo ou nas múltiplas colaborações com que continuamente reinventa aquilo que faz, David Byrne tem vindo a alimentar um corpo de trabalho que cruza gerações, formatos e áreas artísticas.

Em “American Utopia”, projeto que nasce como um disco em parceria com Brian Eno mas que cedo cresce para um multiverso de colaborações com nomes como Oneohtrix Point Never ou Sampha, volta a entregar-nos uma obra com raízes no mundo. Muito em linha com o seu projeto “Reasons to be Cheerful, American Utopia”, parte das histórias e momentos do dia-a-dia, instando-nos a repensar a forma como vemos o que nos rodeia e a restabelecer a nossa confiança com a humanidade. O filme, em estreia nacional, acompanha o espetáculo de apresentação do disco na Broadway, pela objetiva de Spike Lee.

“MLK/FBI”, filme que lança nova achas para a tensão e discussão vivida entre as forças de segurança norte-americanas e a comunidade negra do país. Um documentário tenso que tenta abrir novas luzes sobre a forma como o FBI serviu de ferramenta para uma campanha do poder estabelecido com as ideias e ações de Martin Luther King, através de uma perseguição que pretendia que, ao tentar retratá-lo como um adultero, visava enfraquecer a autoridade de King como líder.

Martin Luther King Jr. em “MLK/FBI”

Horários “Highlights”

  • “David Byrne’s American Utopia”, Spike Lee, EUA, 2020, DOC, 105′ (Estreia Nacional) – Dia 20 de Novembro às 19:00; Dia 27 de Novembro às 14:30 – ambas as sessões no Teatro Rivoli;
  • MLK/FBI“, Sam Pollard, EUA, 2020, DOC, 104′ (Estreia Nacional) – Dia 27 de Novembro às 19:00 no Teatro Rivoli;

Programa Transmission

Cinco filmes sobre a música e o seu impacto no mundo em redor compõem a programação do programa “Transmission”, secção dedicada a olhar para algumas das principais tendências do universo musical que, este ano, terá pela primeira vez um prémio. A crónica sobre os movimentos do Soundcloud Rap, o ritmo que marca as ruas de Baltimore, os processos criativos dos referenciais KLF, a ignição social e política levantada pelo movimento Rock Against Racism e a vida e obra do já menos desconhecido José Pinhal, são as histórias que ocuparão a salas entre os dias 20 e 29 de Novembro na edição 2020 do Porto/Post/Doc.

Em solo americano, “American Rapstar” faz o desenho da mais disruptiva geração de rappers dos últimos anos. Nascidos no ambiente digital, entre o Soundcloud e as redes sociais, nomes como Lil Peep, Bhad Bhabie, Lil Xan e Smokepurpp tornaram-se verdadeiros ícones de uma geração pós-trumpiana, chocando o mundo com os seus comportamentos e ideias ambíguas, o consumo assumido de drogas legais, as tatuagens faciais e a energia punk. Neste documentário da autoria de Justin Staple ouvimos o que estes novos milionários têm a dizer sobre a cultura jovem de hoje e o futuro da economia da música via streaming.

“American Rapstar”

Do digital para as ruas com “Dark City: Beneath the Beat“, documentário produzido pela cantora e produtora TT The Artist, que tem como foco central a cultura clubbing de Baltimore. Co-produzido por Issa Rae (“Insecure“), a longa-metragem propõe uma experiência audiovisual que, cruzando a linguagem documental e o music video, perfila a forma como esta cena musical se constrói a partir da comunidade local, das relações de proximidade e do clima social de Baltimore

É também sobre comunidade que falamos em “White Riot“, um dos filmes musicais obrigatórios de 2020. Realizado por Rubika Shah, o documentário mistura entrevistas atuais com imagens de arquivo para recriar o ambiente de histeria anti-imigração e marchas da Frente Nacional, vivido em Inglaterra nos anos 70, e a forma como o movimento Rock Against Racism se assumiu como um dos principais pontos de resistência contra a disseminação de ideários fascistas.

Território imenso para a criatividade, a música habita-se, ao longo da sua história, de personagens e figuras que rompem barreiras, testam limites e movimentam paixões. Será neste universo inspirativo que encontramos os dois últimos filmes do programa “Transmission”. De um lado os incontornáveis KLF, banda seminal do movimento acid house, é-lhes atribuído lugar de destaque na forma como pensaram a música como um espaço performativo e pertence-lhes ainda um dos mais mediáticos e controversos momentos da música mundial, quando em 1994 queimaram 1 milhão de libras esterlinas.

Em “Welcome to the Dark Ages“, duas décadas depois de terem abandonado aquela que era uma promissora carreira na música pop, reencontramo-nos com o seu universo bizarro-criativo, acompanhando os artistas no seu novo projeto: a criação de uma pirâmide com as cinzas dos seus fãs. Do outro, e olhando o território nacional, “A Vida Dura Muito Pouco – Celebrando Obra de José Pinhal“, de Dinis Leal Machado, filme sensação que acompanha um movimento de recuperação e divulgação do trabalho de José Pinhal, músico ligeiro que tem inspirado uma nova geração de ouvintes, produtores e músicos portugueses.

“A Vida Dura Muito Pouco – Celebrando Obra de José Pinhal”

Ainda neste programa, podemos encontrar “Niños Somos Todos“, com realização de Sergi Cameron. Uma longa-metragem onde o cantor Niño de Elche vai até ao coração da América Latina para iniciar uma viagem às raízes da música, do som e da experimentação, em busca da natureza da criação artística. O documentário acaba por ser uma libertadora performance alusiva a El Niño, com a vontade de escapar de uma sociedade condicionada por cânones e ortodoxia.

Horários “Transmission”

  • “American Rapstar”, Justin Staple, EUA, 2020, DOC, 79′ (Estreia Nacional) – Dia 25 de Novembro às 20:15 no Passos Manuel;
  • “Dark City: Beneath the Beat”, TT The Artist, EUA, 2019, DOC, 65′ (Estreia Nacional) – Dia 24 de Novembro às 20:15 no Passos Manuel;
  • “White Riot”, Rubika Shah, Reino Unido, 2019, DOC, 80′ – Dia 26 de Novembro às 20:15 no Passos Manuel;
  • “Welcome To The Dark Ages”, Paul Duanne, Irlanda, 2019, DOC, 83′ (Estreia Nacional) – Dia 23 de Novembro às 20:15 no Passos Manuel;
  • “A Vida Dura Muito Pouco – Celebrando Obra de José Pinhal”, Dinis Leal Machado, Portugal, 2020 , DOC, 23′ – Dia 24 de Novembro às 20:15 no Passos Manuel;
  • “Niños Somos Todos”, Sergi Cameron, Espanha, 2019, DOC, 95′ – Dia 27 de Novembro às 20:15 no Passos Manuel;

Programa A Cidade do Depois

A “Cidade do Depois” desenhará um programa que olha as transformações da representação cinematográfica das cidades ao longo do último século, desde o frenesim das vanguardas nos loucos anos 20 ao slow cinema contemporâneo. O progresso, o emprego, a tão ambicionada “qualidade de vida” caracterizavam a cidade idealizada da modernidade, mas para cada sonho há sempre o momento do depois: depois do êxodo rural; depois das guerras fratricidas; depois dos loucos anos burgueses; depois da urbanização; depois da gentrificação e do turismo massificado; depois das sucessivas crises políticas e económicas; a cidade do depois dos afetos, na qual um casal se vê perseguido por ter inventado o amor.

O que resta é, por fim, uma cidade alienada, entorpecida, higienizada. Esta será a cidade – que muitas vezes já não é mais do que o simulacro de cidade – que alimentará a discussão do Fórum do Real que, este ano, contará com a participação de Boaventura de Sousa Santos (sociólogo), Paulo Pires do Vale (filósofo), Ana Aragão (arquitecta), Roger Koza (crítico de cinema), Pascale Cassagnau (historiadora de arte), Maria João Madeira (programadora), entre outros. Pela primeira vez, e numa resposta aos novos tempos, o fórum será realizado num modelo misto, com participações online e presenciais.

“Killer of Sheep”

Além do debate, o festival apresentará também um programa restrito de filmes intitulado sob o mesmo título, que pretende refletir algumas das aproximações mais singulares da cidade através do cinema e que inclui, entre outros, “A Invenção do Amor” (1965), de António Campos, “Juventude em Marcha” (2006), de Pedro Costa, “Killer of Sheep” (1978), de Charles Burnett, “La Jetée” (1962), de Chris Marker, “Millennium Mambo” (2001), de Hou Hsiao-Hsien, e “The Exiles” (1961), de Kent Mackenzie

Horários “A Cidade do Depois”

  • “A Invenção Do Amor”, António Campos, Portugal, 1965, FIC, 29′ – Dia 27 de Novembro às 17:00 no Teatro Rivoli;
  • “Bless Their Little Hearts”, Billy Woodberry, EUA, 1983, FIC, 80′ – Dia 23 de Novembro às 16:00 no Passos Manuel;
  • “City Dreamers”, Joseph Hillel, Canadá, 2018, DOC, 80′ – Dia 24 de Novembro às 16:00 no Passos Manuel;
  • “Juventude Em Marcha”, Pedro Costa, Portugal, França, 2006, FIC, 156′ – Dia 27 de Novembro às 19:00 no Teatro Rivoli;
  • “Killer Of Sheep”, Charles Burnett, EUA, 1978, FIC, 80′ – Dia 25 de Novembro às 16:00 no Passos Manuel;
  • “La Jetée”, Chris Marker, França, 1962, FIC, 28′ – Dia 25 de Novembro às 17:00 no Teatro Rivoli;
  • “Millenium Mambo”, Hou Hsiao-Hsien, Taiwan, França, 2001, FIC, 101′ – Dia 26 de Novembro às 17:00 no Teatro Rivoli;
  • “Paris Qui Dort”, René Clair, França, 1925, FIC, 59′ – Dia 25 de Novembro às 17:00 no Teatro Rivoli;
  • “The Exiles”, Kent Mackenzie, EUA, 1961, FIC, 73′ – Dia 23 de Novembro às 17:00 no Teatro Rivoli;
  • “Two Years At Sea”, Ben Rivers, Reino Unido, 2011, DOC, 90′ – Dia 24 de Novembro às 17:00 no Teatro Rivoli;

Fórum do Real

  • Painel 1: História(s) da Cidade
    Com Billy Woodberry, Maria João Madeira, Marie-José Mondzain e Pascale Cassagnau
    Data: quarta, 25 de novembro
    Sessão será realizada online, através das redes sociais do festival

Um cineasta, uma filósofa, uma historiadora e uma programadora encontram-se para interpelar as histórias que as cidades imprimiram ao longo das décadas, na película da história do cinema: as sinfonias estéticas vanguardistas; o surrealismo ficcional; o expressionismo negro; o neo-realismo político ou as imagens contemporâneas que se refazem num cinema lento. Tomamos de empréstimo o título da obra de Jean-Luc Godard, substituindo-lhe o cinema pela cidade: são as infinitas relações entre pensar, contar e entrelaçar a cidade e o cinema, que permitem perguntar se não será o próprio cinema que faz cidade?

  • Painel 2: Cidades Imaginadas
    Com Ana Aragão, André Cepeda, Paulo Pires do Vale
    Data: quinta, 26 de novembro
    Sessão será realizada online, através das redes sociais do festival

A cidade no papel, na emulsão fotográfica, nas páginas dos livros: desenhar, fotografar e escrever são ações concretas de fixação da imaginação, de paralisar a imagem ao mesmo tempo que se inventa a cidadania por vir. Das cidades invisíveis de Calvino aos labirintos bíblicos babelianos, a cidade incita a imaginação, porque a imaginação inventa as cidades. Entre a captura e a invenção, é o trabalho urgente de inventar a cidade que estará em debate.

  • Painel 3: Fuck The Polis
    Com Boaventura de Sousa Santos, João Salaviza, Roger Koza, e Ana Cristina Pereira
    Data: sexta, 27 de novembro
    Sessão será realizada online, através das redes sociais do festival

Tomamos de empréstimo o título do livro de João Miguel Fernandes Jorge, no qual o autor evoca o universo clássico grego, para dar o mote para este painel. O jogo patente no título – Fuck the Polis/ Fuck the Police – permite-nos, desde logo, avançar para o carácter policial das cidades contemporâneas, onde a distribuição dos corpos se faz por via de uma ordem altamente estratificada. Dos coletes-amarelos ao sub-proletariado sem ar nos transportes sobrelotados dos subúrbios, do poeta-mendigo, irmão dos sem-abrigo, sem pertença urbana, que sociedade, que comunidade, que massa informe se concentra hoje na nova pólis policiada deste mundo?

Podem aceder ao site oficial do Porto/Post/Doc aqui e ler a nossa entrevista ao Sérgio Gomes, da organização do festival, aqui!

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