O manifesto musical simbolizou o movimento Tropicália, como se fora um eco da sociedade sob a ditadura militar no final dos anos 60. Caracterizava-se, principalmente, pela sonoridade pop e de vanguarda, inovando a estética da música na cultura brasileira, que na altura era dominada pela bossa nova. O tropicalismo não se ficou pela música, pois também se manifestou nas artes plásticas, no cinema e no teatro.
Considerado o segundo melhor álbum da música brasileira pela revista Rolling Stone Brasil, o álbum “Tropicalia ou Panis et Circencis” juntou um conjunto lendário de músicos emblemáticos. A começar por Caetano Veloso, que abriu as honras do movimento com a sua canção Tropicália no seu disco a solo, e por Gilberto Gil, que, em 1967, participaram no 3.º Festival de Música Popular Brasileira com as canções Alegria, Alegria e Domingo no Parque. Um momento crucial para o movimento e definição da Tropicália. Para além destes dois pesos pesados da música brasileira, também se juntaram Gal Costa, Nara Leão, Tom Zé e o trio Os Mutantes. A parte lírica teve contribuições dos poetas Torquato Neto e Capinam.
Lançado em julho de 1968, o disco abre com Miserere Nóbis, interpretado por Gilberto Gil e Os Mutantes, que culmina com todo o espírito e influência encontrada no tropicalismo. A vertente experimental é logo identificável quando o órgão começa e de seguida passa para uma campainha abrindo as portas para a canção propriamente dita. A partir daqui, mergulhamos numa incrível variedade musical ao longo do disco – samba, bossa nova, rock psicadélico, e até o som do Carnaval.

Alguns destaques vão para Coração Materno com uma orquestração fundamental da cortesia do maestro Rogério Duprat, canção que até então era considerada de mau gosto; para a provocativa obra-prima Panis et Circenses, claramente com uma sonoridade psicadélica; para o Parque Industrial de Tom Zé, uma das melhores faixas do álbum que invoca o virtuosismo dos intérpretes e mantém aquele tom de realidade; Baby é um clássico que já muito regravado por outros artistas, mas esta é claramente a versão definitiva com a perfeita voz de Gal Costa; e o disco termina com Hino do Senhor Bonfim, uma composição religiosa e cívica de 1923, e um final festivo e divertido de um disco icónico.
Em suma, estamos perante um dos discos mais importantes produzidos no Brasil, um verdadeiro manifesto de um movimento nitidamente comportamental e estético. O conjunto de músicos é imbatível, a diversidade musical joga em várias frentes e nunca pára de surpreender. Todo o contexto histórico em que tudo isto aconteceu faz de “Tropicalia ou Panis et Circencis” um marco na cultura brasileira.