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Porque A Arte Somos Nós

Estávamos em 1979 quando chegou às salas de cinema o remake do clássico filme de F.W. Murnau, “Nosferatu“, pelas mãos de Werner Herzog, o aclamado cineasta alemão responsável por obras como “Fitzcarraldo” (1982) ou “Aguirre, a cólera de Deus” (1972). Curiosamente, existe algo em comum entre estas duas películas e “Nosferatu: o Fantasma da Noite“, título em português: Klaus Kinski. O ator polaco interpreta o papel de Conde Drácula, um vampiro que reside num castelo na Transilvânia, mas que deseja mudar-se para Wismar, uma pequena cidade alemã.

Esta nova versão de “Nosferatu”, também baseada na obra literária de Bram Stoker, tem um início no mínimo aterrorizante – mas ao mesmo tempo belo, pois os cadáveres exibidos são um espelho da frieza e do próprio conceito de morte que o filme carrega ao longo de toda a narrativa. Não nos podemos esquecer que esta é uma longa-metragem de terror, mas que ao mesmo tempo revela a faceta mais contemplativa e rústica do cineasta alemão. Um toque pessoal que faz toda a diferença.

A história inicia-se com o agente imobiliário Jonathan Harker, interpretado por Bruno Ganz, a ficar encarregue de levar todos os contratos necessários ao Conde Drácula de forma a este último se poder mudar para Wismar. O patrão de Jonathan, um homem algo cómico devido à sua baixa altura, revela um riso algo louco e cómico, deixando no ar um ambiente estranho. Não nos podemos esquecer que estamos no século XIX, um dado acrescido ao facto de Herzog manter ao longo do filme um elevado nível de saturação na imagem, retirando qualquer tipo de calor emocional e criando uma atmosfera fria, pois nestes países as temperaturas são, em grande parte do ano, bastante baixas.

Antes da sua partida, é-nos apresentada uma personagem essencial, talvez o principal motivo narrativo da obra, a sua esposa Lucy Harker, interpretada por Isabelle Adjani. Esta revela que algo de muito mau se aproxima, mas não sabe bem o quê. Os morcegos são animais que a atormentam, mas não sabia esta que seria vítima de um. A viagem de Jonathan é algo atribulada, tendo este uma paragem curiosa num acampamento de uma comunidade cigana – que serve de alerta para os perigos da Transilvânia.

A fotografia e as cenas de paisagens naturais são um regalo por parte de Herzog, que parece encontrar a fórmula de juntar a beleza natural aos calafrios de terror que esperavam o nosso protagonista. Contudo, o agente imobiliário parece encarar a sua missão como uma simples operação laboral. Após chegar ao seu destino, este é recebido pelo próprio dono do castelo, o Conde Drácula.

O primeiro impacto com este personagem é algo aterrorizante, pois apesar de ter uns dentes e umas orelhas “fora do normal”, tem um visual muito aproximado ao de uma pessoa normal. O seu tom de papel branco demonstra uma criatura sem vida, fraca. No entanto, quando Drácula vê pela primeira vez a imagem da mulher de Jonathan, Lucy, este parece ficar hipnotizado pela sua imagem (e pescoço), dando uma espécie de ‘nova vida’ ao vampiro.

Bruno Ganz e Klaus Kinski

Podemos ver que quando Jonathan se magoa no dedo após fazer um corte no dedo, o Conde não resiste em sugar o seu sangue, por muito pouco que seja. O aviso é deixado, e inicia-se aqui uma espécie de décadence na história, com a morte lentamente a tomar conta do motivo narrativo. À medida que o tempo passa, o convidado começa a ficar cada vez mais fraco, reparando que acorda com marcas no pescoço. Obviamente que este se tornou numa presa.

Paralelamente, e elevando o filme para um campo mais metafísico, as visões de Lucy criam uma espécie de ligação entre esta e o Conde. As caminhadas na praia agora revelavam solidão e saudade, fazendo advir o perigo em que o seu marido se encontrava.

Mais uma vez Herzog faz uma trabalho magnífico dentro do castelo, filmando detalhes como os tetos, as pequenas e as grandes divisões, os pormenores das teias de aranha. O peso do tempo e da idade, as histórias do passado que por ali foram contadas, as portas e as janelas partidas. A melancolia da solidão.

Quando o Conde Drácula inicia a sua viagem para Wismar, dentro de um caixão, este parece levar consigo a Peste Negra – tal e qual a doença que vitimou milhões de homens e mulheres na Idade Média na Europa. Paralelamente a isso, o patrão de Jonathan, que tinha sido internado por suposta loucura, adivinha a chegado do seu amo, que pelo caminho ceifava a lucidez dos homens em seu redor. É nesta fase que fica mais patente o contraste entre a morte e a vida, o puro e o impuro – a verdadeira história de terror.

Após a chegada de Drácula a Wismar a cidade é atingida pela Peste. Entretanto, após um grande esforço, Jonathan consegue regressar a casa, sabendo que tem de manter Lucy a salvo dos dentes do vampiro. A personagem de Kinski foca-se no seu único objetivo, a amada do seu intermediário. Não revelando mais de que forma evolui a história, termino esta frase dizendo que a loucura e a tristeza imperam num final demasiado melodramático para um filme de terror desta categoria.

Bruno Ganz e Isabelle Adjani

“Nosferatu: Phantom der Nacht” é extremamente bem caracterizado. É um filme com um terror muito próprio, mais contemplativo e menos preocupado com os sustos. Por vezes consegue ser arrepiante, principalmente graças às suas cores frias e aos seus movimentos lentos e pausados. Não há pressa, mas simultaneamente podemos afirmar que a história pode deixar um pouco a desejar. Não por falta de qualidade, pois é inspirada no conto clássico “Drácula” de Stoker, mas o próprio conteúdo poder perder algum significado no meio de uma vertente mais artística por parte de Herzog.

Penso que o espectador acaba por se deixar levar pela magia da narrativa, já que Kinski faz um papel icónico na sua carreira, mas infelizmente tem momentos em que a própria personagem se torna um pouco monótona. Acaba por meter mais medo todo o conceito à volta do vampiro do que propriamente o percurso do mesmo. Atenção: não deixa de ser um causador de arrepios, e realço que esta é uma das melhores adaptações do Conde Drácula na Sétima Arte. Como se não bastasse, a banda sonora consiste maioritariamente em cantos gregorianos, elevando assim a atmosfera de terror ao longo de uma hora e quarenta e sete minutos.

Tendo vencido o prémio de Melhor Filme Estrangeiro no National Board of Review, em 1979, e Melhor Ator para Klaus Kinski no Deutscher Filmpreis, esta é uma viagem para se saborear com calma e atenção.

Rating: 3.5 out of 4.

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