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Porque A Arte Somos Nós

“Still Alice” (2014) – em português, “O meu nome é Alice” – conta a história de uma consagrada professora de linguística, que aos 50 anos é diagnosticada com Alzheimer prematuro. Alice (Julianne Moore) descobre, ainda, que a doença é hereditária, por isso, os seus três filhos têm grande probabilidade de contrair essa condição no futuro. Inicialmente o que vemos é todo um panorama estranho, tocante e bastante triste, após a notícia surgir. Até lá, Alice tem um estilo de vida bastante saudável, uma vida profissional quase irrepreensível, além de uma família bonita e feliz.

Esta notícia cai que nem uma bomba no seio familiar, deixando todos um pouco preocupados e até estupefactos como poderia tal ter acontecido, numa idade tão precoce. Aí temos a realidade não só do carácter quase aleatório de como, de um momento para o outro, uma doença pode surgir, mas também do sofrimento de um todo, de uma família que vê alguém que lhe é querido ser uma vítima do destino.

Um dos aspetos mais fortes da narrativa tem que ver, de forma inequívoca, com a atuação de Julianne Moore, que consegue dar corpo e alma a uma personagem fortíssima, com uma vontade de ultrapassar os obstáculos tremenda, imortalizando uma história que a tem como princípio, meio e fim de uma argumento elucidativo, altamente realista e, no entanto, super pessoal. A interpretação é de tal forma magnífica que mereceu ser coroada com o Óscar de Melhor Actriz Principal.

Kristen Stewart (Lydia Howland) e Julianne Moore (Alice)

O título da narrativa não é certamente em vão: este filme levanta questões muito importantes e interessantes sobre a forma como nos desenvolvemos no tempo. Nomeadamente, o papel que a memória tem na forma como nos assumimos enquanto misto de individualidades, misto de recordações e do que fomos. Desta forma, “Still Alice” surge como um grito à nossa personalidade, no sentido em que se assume com o mote de que somos muito mais do que aquilo que, sobre nós, temos noção/perceção.

Há em nós, e especialmente em Alice, uma vida para além do passado; uma vida que vale a pena ser vivida, apesar de ela, pela sua condição, não a conseguir perspetivar como um todo. Aqui, o dito carpe diem faz todo o sentido, aliado, naturalmente, à força e frieza como esta película nos mostra algo que vai muito para além das palavras, literalmente. E digo literalmente, uma vez que, à medida que o tempo vai passando, Alice vai perdendo o conhecimento de certas palavras, mesmo que elementares.

Mais sérias palavras de apreço vão para a cinematografia e banda sonora belicíssimas desta produção, que acompanham um argumento quase de forma sinfónica e rítmica. Além de ser quase um hino a pessoas com esta condição, consegue ir além disso, mostrando um outro lado dramático, mais belo, humanizante e, sem dúvida, puro.

Julianne Moore (Alice)

O argumento e realização deste filme cabe a Richard Glatzer e Wash Westmoreland, que adaptaram o romance homónimo (de 2007) de Lisa Genova. A forma como esta produção é idealizada não deixa muito a desejar, uma vez que é construída de uma forma muito virada para o subtexto. Desta feita, nós conseguimos entrar na narrativa e na atmosfera que o filme cria com bastante facilidade, o que motiva um questionamento incessante relativamente à profundidade como nos vemos no tempo e como achamos que o tempo se vê em nós.

Outro dos aspetos marcantes na narrativa prende-se com o momento em particular quando Alice repensa se vale a pena continuar a sua vida, perspetivando um momento de menor lucidez em que seja quase completamente dependente de terceiros. Existe toda esta humanidade por detrás de uma personagem carregada de sofrimento, mas também de humildade.

Assim, “Still Alice” não nos mostra, simplesmente, como é estar na pele de uma personagem que no dia seguinte já não se lembra de nada: dá-nos, precisamente, a luz necessária para valorizarmos a nossa memória e nela, claro está, deixar-mos amadurecer este bonito e marcante filme.

Por um cinema feliz.

Tiago Ferreira

Rating: 3 out of 4.

IMDB

Rotten Tomatoes

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