OBarrete

Porque A Arte Somos Nós

Lorena procurava viver à sombra do irmão. Isso lhe era conveniente. Dois anos mais moça, viu Arthur alcançar primeiro as conquistas e o admirava por isso. Livros escolares utilizados por ele serviam para ela, seu irmão era um parceiro e tanto e não se lembra de terem brigado feio. Enturmou-se rápido tanto no cursinho quanto na turma de Direito da UFMG. Desconfiava apenas da opção Caxias jurídica da maioria de seus colegas. Amigas puxavam o saco de juízes, desembargadores e renomados advogados, que também eram professores, e alguns colegas prefeririam um Novo Código Civil a uma Bruna Marquezine nua. Conversava a respeito com o irmão, que sentia o mesmo em relação ao seu curso e chegaram à conclusão de que a maioria dos universitários era bitolada, entregue a professores vaidosos e que, na sua maioria, não saíam de suas cátedras do saber. Muitos, ao invés de ansiarem por novos conhecimentos, ansiavam por poder e status.

Lorena participava das festinhas nas sextas, mas sempre fora do esquema libidinoso que imperava nos apartamentos. Levava sempre o irmão que a salvava de momentos de apuros. Deixou de participar e, ansiando novas experiências, intentou um amor. Desejava se apaixonar. Não que desejasse um homem romântico “do tipo que ainda leva flores”, mas não se entregaria a qualquer imbecil. Arthur comungava da ideia, estando ele próprio envolvido com uma professora de Literatura Contemporânea e bem mais madura. Mas, discreto que era, pedia segredo e discrição à irmã.

Lorena estava à mesa conversando com Arthur e os pais. Abriu o jogo e pediu ao irmão para que fizesse o cartaz dela com o amigo filósofo. A mãe riu:

— Minha filha! De velho já basta o seu irmão, que vive na França do século XIX. Fazer o cartaz é expressão de quando eu conheci o seu pai. Aliás, foi uma amiga que me apresentou a ele, não sabíamos quem era mais tímido, se ele ou eu.

— Mãe, falo sério! – e dirigindo-se ao irmão – e ele faltou ao café filosófico na tarde de ontem. Ele nunca falta – estava chateada, pois havia arrumado o seu cabelo fazendo uma chapinha e intentava surpreender o filósofo.

— Ele não é muito velho para você? – atalhou o pai.

Arthur informou a idade do amigo. A mãe ponderou que não, o pai ficou na dúvida. Lorena voltou à carga:

— Arthur, ele tem namorada?

— Não sei nada da vida dele.

— É gay? – questionou a mãe.

— Como disse, não sei nada da vida pessoal dele – respondeu o estudante de Letras.

— Tem cara de pedófilo – divertiu-se o pai.

Arthur riu, assim como sua mãe.

— Pai, que implicância! – rosnou a filha.

— Tá, desculpa. Mas olha no que dá criar uma filha com tanto zelo. Não bastasse ter um irmão que vive no século XIX na França, minha maldição será um almoço também com um sujeito que vive na Atenas do século X antes de Cristo.

— Pai, não exagere! – atalhou Arthur.

— Sim, estou exagerando um pouco, confesso – o pai parecia estar se divertindo.

E Lorena especulou mais sobre a vida reclusa de Gregório, Arthur salientou a sua amizade com a menina que se suicidara, e foi a deixa para mais implicância do pai:

— Valha-me Deus! Aposto que encheu a cabeça da menina com ideias existencialistas.

— Pai, por favor! – tornou Arthur.

— Minha filha, sinceramente, o que você vê nele? – foi a vez de a mãe atalhar.

— Sabe, mãe? Ele tem um jeito seguro de se portar. Parece não querer impressionar e, sabem de uma coisa, com esse jeito só faz impressionar mais. Gosto muito do jeito dele. E ele é muito gato, devo dizer.

Arthur remeteu a romances clássicos que perduraram através dos tempos, seus pais se divertiram e o pai, de forma sensata, sugeriu;

— Ligue pra ele.

— Liga nada, o que ele vai achar? Que você é uma sirigaita? – perguntou uma prudente mãe – Homem não gosta de mulher oferecida.

— Ligo ou não ligo? – perguntou ao irmão.

— Liga. Ou não liga. Sei lá.

E a conversa fluiu. Arthur trouxe o livro do amigo e, abrindo numa página marcada, comentou:

— O Gregório é demais! Num simples artigo de jornal que ele publicou aqui, explicou a Filosofia melhor do que o que aprendi no meu curso de Letras.

— Leia pra nós – pediu a mãe.

— Sim – atalhou Lorena.

Arthur pigarreou, fixou-se nas páginas e leu, como se estivesse em um seminário.

O pai assentiu:

— É, o sujeito é profundo. Mas, escrevendo dessa forma, terá poucos leitores.

— Qualidade x quantidade! – comentou a apaixonada Lorena.

Lembranças.

— Professor, o que faz aqui?

— Vou ao show, oras!

— Gosta de Snow Patrol?

— Um pouco. Vim para refrescar um pouco as ideias.

— Posso ficar a seu lado?

— Sim, claro.

— Meu nome é Carla, só lembrando.

— Sim, a aluna das boas redações e dos livros de filosofia. Sei.

— Que bom que se lembrou.

— Você se destaca – sorriu.

Estavam na casa de shows quase ao lado da escola. A banda norte-irlandesa Snow Patrol iria se apresentar em Belo Horizonte. Já na fila, Gregório se sentiu um tiozão, uma vez que a maioria dos que estavam na fila era de adolescentes, muitos deles alunos da escola onde lecionava. Poucos adultos, e grande parte eram responsáveis pelos jovens que ali estavam. A entrada para a casa de shows foi tranquila, Carla encostou-se em Gregório e sugeriu que fossem para a frente do palco (queria dançar, pular, cantar e berrar muito). O professor assentiu, ficaram conversando pouco tempo ali até a entrada de Gary Lightbody e companhia. Era a turnê de lançamento de “Fallen Empires”. Pularam muito durante o show, se esbaldaram e após a celebração, retomaram a conversa:

— Nossa, que bacana o show! Me diverti bastante. – comentou Carla.

— Também. Estou todo suado.

— Vamos pegar uma água?

— Boa ideia.

Dirigiram-se para a saída e compraram de um ambulante. Carla perguntou se tinha ideia de onde ir, ao que Gregório respondeu que ele iria para casa.

— Já?

— Já.

— Que pena! Poderíamos aproveitar mais.

Gregório olhou para a aluna. Reparou em como ela era bonita, provocante. Lembrou-se do livro “A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert“, de Joel Dicker, que narra a história de um escritor que se apaixona por uma garota de 15 anos. Viajou por segundos na lembrança e fingiu não perceber nenhuma outra intenção de Carla, uma vez que o encontro havia sido casual. Rememorou a desgraça que foi para Harry Quebert esse amor trágico. “Poderíamos aproveitar mais”, ah, se isso fosse possível!

Joel Dicker

— Vai pegar um táxi?

— Já que você não quer esticar, sim.

— Vou chamar para você.

Conseguiram um e Gregório se despediu, rumando para casa, bebendo sua água e sorrindo levemente. O show e a companhia fizeram-lhe bem. Sentia-se remoçado.

Marcelo Pereira Rodrigues

One thought on “Conto: “Jantar em família”

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