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Por muito atípico e difícil que 2020 esteja a ser, é seguro afirmar que enquanto a Disney tiver filmes de animação para adaptar no formato de ação real, como este “Mulan”, o mundo não acaba. Podem fechar as salas de cinema, questionar os prós e os contras do streaming, mas tão cedo não vamos ver um calendário cumprido sem que a empresa multi-milionária lance uma nova versão de uma propriedade conhecida.

No último trimestre de 2019, “A Dama e o Vagabundo” foi o primeiro remake a testar as águas do streaming sem passar primeiro pelas salas de cinema. Agora, tendo em conta a persistência da pandemia da Covid-19, “Mulan” vê-se forçado a estrear na Disney+, com a agravante de que os subscritores terão de pagar um extra para terem acesso ao filme.

Yifei Liu (Mulan)

Com isto, a questão que se levanta é: Valerá a pena? A resposta é um claro e redondo “não”. Mesmo tendo em conta toda a bagagem que o filme trás consigo antes de vermos uma única imagem – porque nesta altura já todos temos uma predisposição para gostar ou não de remakes – “Mulan” é uma tragédia chinesa do início ao fim. Desde as atuações de madeira até ao princípios fundamentais do enredo.

A história mantém os traços gerais e a trajetória que conhecemos da versão de 1998. Quando o Imperador da China decreta que um homem por família deve servir no exército para defender o país de invasores nortenhos, Hua Mulan (Yifei Liu), a filha mais velha de um guerreiro distinto, toma o lugar do seu pai incapacitado. Ao mascarar-se de homem, a jovem chinesa enfrenta uma jornada épica de auto-descobrimento e confronta o paradigma social e cultural da época.

Realizado por Niki Caro, que nos trouxe em 2017 o impactante “O Jardim da Esperança“, este é um daqueles projetos que previsivelmente tem uma escrita corporativa. O que não é defeituoso por si só, não fossem as alterações à narrativa original tudo menos inspiradoras. “Mulan” está despido de personalidade e desprovido de conteúdo dramático. Pior do que isso, o argumento compromete o arco narrativo da própria protagonista quando lhe atribui habilidades de luta soberbas desde tenra idade (ou na linguagem do filme, uma força chamada “Chi”), mitigando qualquer valor que a sua jornada possa vir a ter. Com isto, o filme está explicitamente a torcer pelo desinteresse da audiência.

“Mulan”

“Muito bem… Pelo menos cómico há de ser Bernardo. Lembraste do Mushu, o dragãozinho, e o pequeno grilo?” – Perguntam vocês com um ar surpreso. Lembro. Além de não constarem nesta nova versão, não existe nenhum alívio cómico digno de nota a compensar, tornando a visualização insípida e desaventureira. A tentativa de inovação vem na forma de uma bruxa que consegue relacionar-se de certa forma com as circunstâncias de Mulan, sendo que o seu propósito na história é claro desde o primeiro minuto.

Mesmo em termos de ação, segmento que o marketing salientava como um ponto a favor, está filmada e editada de forma demasiado frenética, resultando em sequências desajeitadas. Em certos momentos, a edição teletransporta personagens de forma disruptiva, desafiando a lógica. Noutros, imagens-chave parecem ter-se perdido na sala de montagem. O que para um filme de quase duas horas (35 minutos a mais do que o filme original) é de levar as mãos à cabeça.

Tenho assistido às adaptações da empresa do grande rato sempre com uma pitada de sal. Por vezes conseguem oferecer um ângulo relativamente fresco, seja através da inovação tecnológica – “O Rei Leão” (2019) – ou destacando uma personagem menos valorizada no filme que adapta – como é o caso de Jasmin em “Aladdin” (2019). No entanto, esta modernização de “Mulan” é um pau de dois bicos ensanguentados: um que assassina o original e outro que comete suicídio involuntário.

Bernardo Freire

Rating: 1 out of 4.

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