“Normal People” (2020) é uma mini-série que resulta da adaptação da obra homónima (2018) de Sally Rooney, e é co-escrita por Alice Birch e Mark O’Rowe. A realização, essa, coube a Lenny Abrahamson e a Hettie Macdonald.
Esta produção conta a história da amizade entre Marianne (Daisy Edgar-Jones) e Connell (Paul Mescal). Ambos vivem numa pequena cidade da Irlanda e frequentam o ensino secundário na mesma escola, de onde se conhecem melhor. A verdade é que, apesar da diferença de background financeiro entre eles (Marianne provém de uma família rica e Connell de posses bem menores), ela revela-se uma pessoa mais recatada, um pouco anti-social e não muito popular na escola, enquanto que Connell é muito admirado e respeitado, além de amplamente atraente para a maioria das raparigas.
Os dois revelam uma intelectualidade muito fora do comum e até mesmo a sua índole se destaca bastante pela positiva, em comparação com pré-adultos de 18 anos. Curiosidade é o facto de a mãe de Connell trabalhar, precisamente, na casa de Marianne, como empregada doméstica, e é também por essa circunstância que os dois desenvolvem melhor a sua relação.
Inicialmente é este o panorama que a série nos dá, conseguindo prender-nos por captar certos aspectos mais humanos e contemplativos, geralmente ignorados por produções do género. Além disso, a sua vertente deliberadamente lenta na forma como nos mostra as coisas a acontecerem tem, na verdade, uma conotação bastante positiva. Isto porque nos permite absorver os momentos de empatia, conexão e intimidade de uma maneira muito própria e sui generis.

Outra questão no enredo deveras interessante tem que ver com a audácia em mostrar a mais pura realidade da relação, quer seja ela de amizade ou até amorosa (que aqui esta diferenciação não faz qualquer sentido, precisamente porque eles são acima de tudo os melhores amigos e amam-se, admiram-se e são apaixonados um pelo o outro – algo muito raro nos dias de hoje e diria até a felicidade máxima a aspirar, um dia). Entre eles há uma conexão, que por vezes é afectada por factores externos, mas também internos naturalmente, mesmo que não intencionais.
Num segundo momento da história, eles mudam-se para a mesma Universidade, onde Marianne passa por uma transformação incrível. Percebe que a relação que tem com a mãe é auto-destrutiva e que o seu irmão tem imensa inveja dela, portanto, mesmo na sua própria casa, não se sente compreendida, nem tão pouco feliz. Exceptuando com Connell, com o qual, incessantemente, cria catarses, laços e vivências (sentimental, emocional e humanamente) anormais.
“Normal People” reinventa fórmulas e soa até ao estilo de “La La Land: Melodia de Amor” (2016), uma vez que atribui um grande palco de reflexão a questões que, por vezes, fogem do nosso controlo e que podem afectar, positiva ou negativamente, as nossas relações. Desta forma, a série mostra algo que vai muito para além das palavras, conseguindo imprimir subtilezas tão ricas e assertadas que a experiência da visualização se torna quase como ler um poema (é preciso saber lê-lo bem, com a entoação certa).

O final deixa um toque muito melancólico no espectador, que instantaneamente foi pedindo sempre mais e a série respondeu bem a esse apelo. Nós quase que fazemos parte daquele universo (nós parece que estamos a ver aquilo, in loco). Ou seja, o realismo e a capacidade de amplificar poeticamente a personalidade dos protagonistas enriquece, e de que maneira, uma produção que pode ser, garantidamente, considerada uma das melhores adaptações de sempre.
Assim, a experiência que “Normal People” nos oferece é a de investirmos mais em nós mesmos, em nos conhecermos o melhor possível, para estarmos cientes e capazes de dar a outra pessoa um amor que, a ser real, é bem maior do que achamos.
Pela magia da sétima arte.