Sendo a COVID-19 um fenómeno pandémico global, é expectável que nos próximos tempos a sua influência venha a ser retratada nas artes de forma transversal. Já foi escrito um número incontável de livros sobre o assunto, mas no cinema “She Dies Tomorrow” é provavelmente a primeira longa-metragem a captar a ansiedade do que é viver com a persistência de uma ideia desoladora – a certeza da morte iminente. Oito anos depois do seu primeiro filme, a realizadora e argumentista Amy Seimetz retoma com um thriller inflacionado por terror existencial bastante imperfeito, mas repleto de motivos para refletir.
Amy (Kate Lyn Sheil), uma jovem mulher que acabara de mudar de casa, oferece o ponto de entrada para esta história bizarra com grossos contornos psicológicos. Ela deita-se no sofá, cai no chão, pesquisa sobre urnas e casacos de pele, tudo isto e muito mais enquanto ouve um arranjo dos Mondo Boys da música Lacrimosa, de Wolfgang Amadeus Mozart. Num estado de transe, sempre que a música termina, Amy retoma a agulha do disco de vinil ao início.

O seu estranho comportamento parece ser indicativo de uma doença do foro da mente, e não ajuda o facto de dizer à sua amiga Jane (Jane Adams) que tem a certeza que vai morrer amanhã. Tal como um vírus, a ideia maligna apodera-se dos seus pensamentos e ambas começam uma jornada inquietante pelo que aparenta ser o último dia das suas vidas.
Enquanto que a visualização de “She Dies Tomorrow” pode não ser a mais agradável no sentido convencional do termo, oferece uma experiência singular e bastante oportuna no sentido em que compacta uma angustia generalizada que é par com os dias vigentes. A economia está bastante fragilizada, estamos socialmente menos recetivos e mais desconfiados do outro. O luto aflige-nos, seja pelo partir de entes queridos como de negócios arruinados. Tudo isto traça algo em comum a todos nós: Um desalento nervoso.
Como é que alcança o feito? De uma forma um tanto simplória. Através da passagem de uma mensagem assertiva e pessimista, boca-a-boca. Aos poucos, vemos personagens secundárias desabar e mudar de comportamentos através de uma semente que a narrativa propositadamente não rega. Em parte, evita ser uma obra redonda, deixando a maioria das arestas para a audiência limar. O que leva a pensar que a própria discussão sobre o filme, “She Dies Tomorrow”, chega a ser mais interessante do que o próprio filme.

Quanto ao terror, que é sempre mais mental do qualquer outra coisa, é evocado através de vários aspetos: 1) O mistério que guia o primeiro para o segundo ato, assim como a constante incerteza da natureza e motivação do antagonista. Um pouco à semelhança do terror cósmico – e um quanto ineficiente – de “Color Out of Space” (2019). 2) A convicção assombrosa dos contagiados, cujas expressões recordam por vezes os olhos vazios e esbugalhados que os infetados demonstram no filme “Às Cegas” (2018). 3) O ambiente de desespero doentio que está tão bem cozido na fábrica da história que acaba por deixar o espetador com uma mini crise existencial.
Não está, todavia, completamente empacotado em depressão. Alguns toques de humor absurdo conferem-lhe momentos de leveza urgente. Pela sua brevidade, ser um pouco tonto em certas cenas e pelo facto de o peso da sua mensagem ser revelado demasiado cedo, fica a ideia de que o filme podia ser convertido numa curta-metragem mais eficiente. “She Dies Tomorrow” não deixa de ser um segundo esforço interessante por parte da realizadora, que apesar da ausência prolongada por trás da câmara, voltou com dose e meia de pertinência numa altura certeira.