OBarrete

Porque A Arte Somos Nós

“Todo o solo é plantado e um rio corta o vale. As árvores são verdes e estão cheias de frutas, as heras entrebordadas de flores e tudo é cheio de perfume como em Castela no mês de abril. É tão ameno o canto dos rouxinóis quanto o clima, e de todos os lados se ouvem grilos e rãs. Peço a Vossas Majestades acreditar que a ilha é tão fértil que somente aquele que a viu pode falar nisso”


Trecho da biografia “Cristóvão Colombo”, de Otto Schneider, sobre as impressões do genovês do que hoje é o Haiti

Recentemente, fui surpreendido pela notícia de que alguns desmiolados do movimento “Vidas Negras Importam” estavam derrubando as estátuas de Cristóvão Colombo nos Estados Unidos. Foi quando me perguntei: será que eles sabem quem foi Cristóvão Colombo? Imagino que não. Por mais justificado que seja qualquer manifestação, há um momento em que a coisa sai de controle e a percepção que temos da turba é que são um monte de desarrazoados.

Vejamos o caso de Beirute neste momento: após a grande explosão com o nitrato de amónia que varreu parte do porto e arredores, dias depois o povo enfurecido estava na rua com paus e pedras para combater o governo, já esfacelado. É quando me ponho a pensar: quando não explodem o povo, ele mesmo arruma uma forma de se explodir. Este sentimento de turba já foi criticado pelo filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard (1813-1855) que afirmou: “A multidão é a mentira“.

Sören Kierkegaard

Antes de mais nada, esclareço que o termo herói para mim é bastante seleto. Reconheço na História da Humanidade pouquíssimos que se destacaram, e certamente um deles é Colombo. Neste artigo, recorrerei a um filme e a uma biografia para descrever melhor esse aventureiro genovês. No filme “1492 – A Conquista do Paraíso“, de Ridley Scott, Gérard Depardieu faz o papel de Colombo. O épico traz ainda Sigourney Weaver, Armand Assante, Loren Dean, Angela Molina, Fernando Rey, Michael Wincott, ou Billy L. Sullivan. A música está ao encargo de Vangelis (trilha sonora espetacular!) nesta película de duas horas e 36 minutos. Lançado em 1992, em comemoração dos 500 anos da Descoberta da América.

A obra apresenta o espírito rebelde de Colombo, as suas audiências solicitando apoio das universidades para fazer crer que havia um Novo Mundo além-mar e a convicção irrefutável de que a Terra era redonda, motivo pelo qual os navios não se afundavam nos oceanos quando os perdíamos de vistas na linha do horizonte. Meio arrogante, deseja uma audiência com a rainha Isabella I (brilhantemente interpretada por Sigourney Weaver) que discretamente acaba a rir da soberba ideia do navegador, que promete mundos e fundos no além-mar e levar o nome da coroa espanhola a este Novo Mundo. Exigente, afirma que intenta o título de Vice-Rei nestas paragens.

Lutando contra as intrigas palacianas, consegue a permissão e financiamento e parte-se assim a expedição, em barcaças que por sorte não se despedaçaram no oceano. Nada a ver com os navios modernos de hoje. A liderança de Colombo faz-se provar por mãos fortes para dirimir conflitos e evitar motins de uma tripulação que passa a desconfiar que a missão era uma farsa.

Colombo segue inquebrável nas suas convicções e cartas náuticas, e é com deslumbre que vê, após dias à deriva, uma poeira e mosquito e lógico: como não há poeira e mosquito no mar, e se existe poeira existe terra, enfim a tripulação vibra com a chegada a este novo mundo. O clip da primeira visualização, com a forte neblina ofuscando as vistas de tão densa floresta, o primeiro pisar na água e daí à praia é embalado com a trilha sonora e a beleza apresentada. É emocionante demais!

Gérard Depardieu é Cristóvão Colombo em “1492: Cristóvão Colombo” 1992)

A tripulação trava o primeiro contato com os nativos e esse choque de culturas é tenso e demonstra, ao mesmo tempo, as mãos firmes de Colombo para ser diplomático. Dando uma localização exata do território onde ele chegou, trata-se de parte da América Central e Caribe. Sim, ele chegou para tomar as terras para a Coroa espanhola, mas tem que administrar a presença dos índios que já estão ali. Por sua vez, os índios comportam-se como se estivessem diante de Deuses, pois os europeus eram bastante branquelos e diferentes para eles.

Percepção essa que se vai esvaindo aos poucos. Com muito esforço e trabalho, a tripulação de Colombo monta uma primeira cidade e este passa a ser o Governador da ilha. Cria em torno de si um ministério para auxiliá-lo e viaja de volta a Espanha para mostrar à Rainha a sua descoberta. Leva alguns indígenas consigo. Na verdade, a descoberta do Novo Mundo foi uma conquista, mas pouco rentável para o Reino espanhol, pois, num primeiro momento, o montante de tesouros trazidos foi insignificante. Colombo felicita-se pela descoberta, e agora paparicado pela nobreza espanhola, snoba e faz inimigos declarados na Corte. Realmente, Colombo espezinhou os interesseiros de plantão, alguns parasitas e comes-quietos.

Ao voltar às Ilhas do seu governo, Colombo encontra sublevações e jogos de interesses, revolta dos indígenas que já combatiam entre si e o ponto da desgraça final são os furacões que varrem o local. Chega a um ponto em que a Coroa espanhola designa a destituição de Cristóvão e este retorna humilhado. Não fica preso por beneplácito da Rainha, mas vê os seus bens e riquezas dissipados e ao fim da vida, meio cego, observa a linha do horizonte quando um nobre o vem sacanear, afirmando que ele havia dado com os burros n’água.

Mas uma frase me fez arrepiar de satisfação, disse ele mais ou menos isto: “Ó bonitão, sabe qual é a diferença entre eu e você? É a seguinte: podemos olhar aquela linha do horizonte, mas você pode ter a certeza de que eu fui“. Claro que modernizei um pouco a fala. E a lição que fica é a seguinte: o quanto podemos ser Cristóvão Colombo para empreendermos os nossos projetos? Fica a dica.

Pouco tempo depois, fica sabendo que um pouco mais perto, uma tripulação comandada por Américo Vespúcio havia chegado a terras mais prósperas, daí a titulação de Américas ao novo rincão de mundo. Embora eu pense que Colombos soaria bem melhor, ainda bem que temos a Colômbia, não é mesmo?

Cristóvão Colombo

Interessado na vida do navegador genovês, li a biografia de Otto Schneider sobre ele (Edições Melhoramentos, 170 p.). O livro tem passagens interessantes, que me fizeram conhecer um pouco mais o nosso bravo herói, como na seguinte passagem:

Desde a minha infância – escreve ele mais tarde – estou navegando pelos mares e prossegui até hoje. O navegador quer explorar os mistérios do globo. Onde passaram navios, lá eu estive. Lidei e conversei com sábios, com sacerdotes e leigos, latinos e gregos, judeus e mouros, e com muitos de outras religiões.

Deus mostrou-se benévolo comigo. Proveu-me de espírito e conhecimentos. Na ciência da navegação deu-me de sobra; da astrologia, de quanto precisava; assim como da geometria e astronomia.

Presenteou-me com ânsia e habilidade para desenhar mapas e colocar nos respectivos lugares, cidades e montanhas, rios e ilhas e portos marítimos.

Eu vi e de facto estudei em vários livros, descrições, história, crónicas antigas, filosofia e mais outras ciências para as quais nosso Senhor iluminou meu espírito, e me mandou aos mares, e me deu fogo para a ação.

Os que ouviram de minhas proezas, chamaram-nas de absurdas e riram-se delas. Mas quem pode duvidar de que não se tratava de uma inspiração do Espírito Santo?“…

A guisa de homenagem, no meu livro de crónicas, artigos e ensaios, “Perfume de Mulher” (Chiado, 142 p.) escrevi “Projetos, Frustrações & Conquistas“, que é um texto motivacional para nos sacudirmos das nossas inércias e nos propormos a fazermos algo de grandioso na vida.

Marcelo Pereira Rodrigues

Leave a Reply

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Discover more from OBarrete

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading