O filme “As Good as It Gets” (em português “Melhor é Impossível“), dirigido por James L. Brooks, com Jack Nicholson, Helen Hunt, Greg Kinnear e Cuba Gooding Jr. é um drama comédia de duas horas e 18 minutos, que rendeu dois Óscares: o de Melhor Ator (Jack Nicholson) e Melhor Atriz (Helen Hunt). A película é de 1998.
Tudo gira em torno do escritor mal-humorado, rabugento, sem papas na língua e que sofre de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) Melvin Udall, que vive a rotina rígida de escrever, ter que conviver com idiotas (na sua concepção) no condomínio onde reside e que almoça numa lanchonete, levando o seu talher de plástico no bolso. Certamente, a Covid-19 não acometeria o nosso bravo escritor, meticuloso na sua higienização.
Na lanchonete, é persona non grata. Nem o proprietário o tolera, isso devido ao facto de destilar o seu veneno contra tudo que anda e rasteja. A garçonette Carol Connelly (interpretada por Helen Hunt) é a vítima preferida dele. Comemorando com uma colega que conquistara o direito de realizar um teste de atriz, ouve a fria sentença de Melvin: “Tudo que o mundo precisa é de uma atriz“.

No prédio onde mora, tem como vizinho um pintor gay, Simon Bishop (brilhantemente interpretado por Greg Kinnear) que é roubado e violentado por um modelo vagabundo de rua. O marchand Frank Sachs (vivido por Cuba Jr.) bate à porta de Melvin (a dizer que ele odeia isso, uma vez que atrapalhava o seu fluxo de ideias ao escrever) e faz a insólita proposta dele vigiar e cuidar do pintor. É a deixa para Melvin sugerir, com cara de deboche: “Pense como branco“. Isso após perder a paciência com a empregada negra do pintor: “Não venha bater à minha porta com esse linguajar de prostituta do cais do porto“.
A improvável relação surge daí, quando Frank o confronta. Interessante que toda a rabugice detonadora do escritor cai por terra quando é confrontado. A contragosto, dá uma olhadela no apartamento ao lado e sempre destilando o veneno, a ponto de afirmar ao pintor que ele era uma vergonha para a depressão.
Por trás de tanta inconveniência, esconde-se a doença de Melvin. Confrontado com a quebra de sua rotina, ao perceber que a garçonette preferida não fora trabalhar, vai ao seu encalço e para estupor dela, dirige-se ao seu apartamento de baixa renda. Ao saber da doença do seu filhinho, dá-se a primeira abertura generosa no coração de pedra: intermedeia um médico particular junto da sua agente literária e isso quebra um pouco o clima de tensão entre ambos.

Mas Melvin também tem uma missão inesperada a fazer: obrigado por Frank a levar o pintor a uma viagem, onde ele, falido, solicitaria ajuda financeira aos pais, e quando escrevo obrigado, é obrigado mesmo. Cansado da falta de educação dele, Frank sentencia enfurecido: “Eu quase chego a torcer para você me dizer não neste momento“. Portanto, não há outra saída. Indagado pela garçonette se ele esperava favores sexuais em troca do médico, ele ri e apenas pede que ela o acompanhe na viagem, pois pegaria mal para ele ir sozinho com o pintor bicha. O termo pejorativo é usado por ele, já na apresentação, colocando as malas no seu automóvel: “A garçonette. A bicha“.
Mas é no trajeto que o amor se manifesta, mesmo que de modo conturbado. O jeito simples e descomplicado de Carol arrefece o espírito deprimido do pintor, fazendo-o voltar a pintar. Um jantar entre Melvin e ela dá um clímax de aproximação, desarmando-o num perfil carinhoso até que solta a corrosiva frase: “Não entendo esse lugar. Exigem terno para o homem e você com esse vestido caseiro“. É a deixa para mais confusão, o abandono no restaurante e um escritor reconhecendo junto ao barman o facto de ser um infeliz, pois ao invés de estar na cama com uma bela mulher, estava ali consumindo bebida barata e conversando com um idiota.
O fim apresenta-nos uma improvável amizade entre o pintor e escritor e também a promessa de um namoro entre Melvin e a garçonette, com a cena final de ambos comprando pão numa padaria às quatro da manhã. Mas não se trata de um final feliz, uma vez que a mordacidade do protagonista poderá pôr tudo a perder na próxima fala.

Recorte do tempo, o filme dificilmente seria politicamente correto na época atual. A chatice de plantão reclamaria contra a misoginia, o racismo, o preconceito. Mas, será que as falas sarcásticas de Melvin Udall não estão apenas eclipsadas no nosso subconsciente?
Do que depreendi do filme, a sociedade impõe-nos um filtro de convivência para suportarmos os outros e para ver a excelência de Melvin com o ato da escrita, pois notadamente é um escritor reconhecido, dá a entender que as relações pessoais podem ser um empecilho a quem se propõe a construir cenários e enredos tão bem formulados, como quando é questionado por uma secretária da sua agente literária de como fazia para construir personagens femininas tão bem. Impaciente e cáustico, vocifera: “Eu penso num homem. E retiro toda a razão e responsabilidade“.
“O inferno são os outros”
Jean-Paul Sartre
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