“A Rosa do Povo” surge como um romance de profunda incompreensão para com a realidade, daí a sua vertente auto-reflexiva, que sugere que o verdadeiro trabalho parte de cada um, para porventura se tornar colectivo. Estamos na 2.ª Guerra Mundial e o mundo está um caos; para espalhar a sua realidade, Carlos Drummond de Andrade, a partir dos seus meta-poemas, além de uma ambivalente reflexão social, promove um grito (literário) pela liberdade, combatendo a censura do seu país.
Desta forma, anseia não só há a tentativa de eliminar pré-conceitos, de reformular mentalidades, como também se verifica um aprofundamento da sensibilidade do autor, que visa transpor a conjuntura atroz em que vive. A poesia surge, portanto, como a oportunidade de reconhecimento social, que compromete o escritor à tentativa incessante de reagir ao mundo e lutar por algo mais.
Esta obra, “A Rosa do Povo”, não é mais que a tentativa de caracterizar um período horrendo da história da humanidade, uma época pertinente, não só individual, como colectivamente atroz, repleto de dor, sofrimento e angústia de relevo para o contexto epocal. “A Rosa do Povo” foi escrito durante a 2.ª Guerra Mundial, num período no qual a humanidade estava posta em causa, a sua integridade, os seus valores, numa altura em que as entidades alemãs foram derrotas pelos russos (União Soviética) no leste europeu.
Decerto, é possível ver no título a referência ao ideal de liberdade de expressão, em que a rosa significa a poesia do povo, para se conseguir exprimir. Por outro lado, o contexto do Brasil era, essencialmente, o de a falta de cooperação entre as classes intermédias e da concentração das elites intelectuais em representação de alta burocracia.
Ou seja, como já vimos, o título carrega uma grande carga simbólica, sendo constituído por poemas da sociedade e da época, apresentando, por isso, uma grande panóplia de temas e de mensagens, na sua essência rica e, claro, humana. Todos esses “cantos” da alma são idealizados à base de metáforas ricas e pertinentes, com um pequeno toque de surrealismo, e que, portanto, para uma compreensão total daquilo que querem dizer nas entrelinhas, é necessária uma compreensão bastante digna da complexidade poética.

Assim, e para haver maior precisão do contexto e do enredo em que o livro florescem, há no fundo um confronto entre a intervenção política (utópica) de esquerda e os que permanecem, incessantemente, cépticos e com os pés assentes na terra. Este contraste confere uma interessante polissemia – de todo, não contraditória – a esta “antologia poética”.
Além disso, a realidade possui múltiplas faces, que podem ser vistas de diferentes ângulos e perspectivas distantes, o que gera toda uma confusão e desordem na vida e no quotidiano que não permite quaisquer certezas terrenas. Contudo, o autor recorre não só a um registo mais cuidado, de língua “culta”, como também lhe dá um ar mais informal, com o devido enquadramento (uma linguagem mais coloquial e acessível). Nesse sentido, remetendo, precisamente, essa desordem universal, os versos são predominantemente de métrica irregular e, até, sem rima.
Mas, não é uma obra com uma essência humorística, tal como acontece, em contraste, com as restantes obras de Carlos Drummond de Andrade; algo que se compreende, naturalmente, tendo em conta o objectivo e propósito não só do contexto artístico, como da finalidade literária a que o escritor se propôs. Desta forma, as preocupações sociais de maior relevo como que adquirem uma significância maior, concretamente, na década de 40 e, é por razões como a audácia de pôr a descoberto uma problemática nacionalista atroz e paradigmática que “A Rosa do Povo” é a obra brasileira cuja relevância e impacto lírico, social e modernista mais se dignifica e se reconhece.
Todos os poetas, ao tentarem espelhar a magia do mundo, deixam a sua pegada na história literária e encurtam as barreiras entre a humanidade e a linguagem, perpetuando o passado, e não só: sempre com consciencialização colectiva, fazendo uso da harmonia da criação e do estilo, na forma, que lhe dá (ao eu poético) vida e sustento artístico. Um poema é, ou deve ser, portanto, uma imagem da vida, expressando uma verdade eterna. É lançado o desafio ao comum dos mortais de interpretar (ler) o criador através da obra.
Nesse sentido, na literatura brasileira em particular, os sentimentos do Homem são a principal fonte de inspiração literária, sendo, no fundo, o objectivo primordial a exaltação de valores maiores, como imitação e imaginação de uma igualdade, diversidade e unidade que reponham uma certa justiça ética, que actualmente está em contraste com as formas imutáveis da natureza humana. Ou seja, e tocando num ponto anterior, o poeta tenta que as suas obras sejam a reflexão de um tempo, não só individual, como colectivo, representativo.
Decerto, se por um lado a “rosa” representa a ideia de esperança e renascimento, por outro expõe difícil decodificação, uma metáfora dos poemas como um todo, pressupondo que essa esperança não passa de uma mera ilusão. Esta dualidade é interessante porque traduz uma certa ambivalência literária, tanto a nível do eu lírico – só num mundo caótico –, como no realismo como traça a realidade, um estado de espírito (puro), mas sempre de mãos dadas com o seu contrário. Isto é, para haver felicidade, há tristeza; para haver esperança, há culpa e desilusão; para haver verdade, há mentira.
“A Rosa do Povo” é, portanto, uma obra muito híbrida, pois é capaz de apelar a uma transformação social, não só interior, como exterior, mas que exige ao eu lírico um “mergulho” sufocante e intrigante, num poço sem fundo de crise existencial. Assim, há sempre os dois lados da mesma moeda: a dicotomia arte/vida, absoluto/relativo, transitório/contínuo – tudo isto é exposto nesta antologia poética fascinante.