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Porque A Arte Somos Nós

Desde que assistiu ao filme “Contágio” (2011), realizado por Steven Soderbergh e que conta com a participação de Matt Damon, o filósofo entendeu a premissa básica: lendo um comentário do realizador à época, acerca da inevitabilidade da pandemia, não seria o caso de se perguntar se haveria a doença, mas quando. Assim, o filósofo ficou preocupado e, mais que preocupado, ocupado. Passou a estudar a gripe espanhola (que nem espanhola era), a H1N1, a SARS e outras. No seu meio, não encontrava interlocutores para levar adiante suas teorias, e percebia tudo, desde amigos coçando o nariz com coriza e estendendo cinco minutos após a mão para cumprimentá-lo.

O filósofo ignorava a mão estendida, tocava o ombro do interlocutor, se despedindo. Não era hipocondríaco, antes precavido. Acostumou-se a andar de luvas e quando resfriava, utilizava máscaras cirúrgicas, evitando ao máximo sair de casa, solicitando licenças do seu trabalho na universidade. Os conhecidos do bairro brincavam com ele, chamando-o de “mascarado”, “Tiazinha”, “astronauta”, etc. Ria e não se importava, apenas observava que algumas pessoas fugiam dele, temerosas de que tivesse uma doença incurável, ainda mais quando tossia.

Eis que a COVID-19 apareceu e veio colher o filósofo no meio do turbilhão. Quando a grande mídia soube do histórico de suas preocupações, quis entrevistá-lo. São inúmeras solicitações de entrevistas (“quem informou o meu número?”) e se fosse atender a todos, o risco de contágio seria grande. Se atendesse a todos em uma coletiva que fosse, seria proibido pelas autoridades governamentais e entenderia isso, pois os pedidos ocasionariam uma aglomeração. E agora, até concursos literários existem para relatar como será o futuro da humanidade pós-pandemia e como cada indivíduo se comportará daqui em diante.

Interessou-se a escrever, como forma de extravasar os seus dilemas, mas tomaria o cuidado de não parecer presunçoso nem arrogante ao traçar essas linhas. Nunca quis a celebridade, não seria agora, aos 45 anos, que se deixaria picar pela “mosca azul”. Começaria escrevendo que dificilmente as pessoas aprenderiam com essa catástrofe, exceto os diretamente atingidos por ela. Quando a OMS informasse o total de óbitos no mundo, o grosso da população perceberia se tratar de uma percentagem apenas e trataria de cuidar de seus afazeres práticos.

A onda de solidariedade seria apenas a oportunidade para se divulgar nas redes sociais e as pessoas se aglomerariam novamente nas festividades do carnaval, partidas de futebol e shows musicais, além de lotarem shoppings centers, parques públicos, etc. Não que o filósofo esteja do alto de um camarote observando esse exército de formigas, não é nada disso. Sua constatação, prima da observação e do entendimento do tempo cronológico (o antes e o depois) o fazem acreditar que o grosso da população, que custa a entender premissas científicas, sendo a ciência a filha mais nova da filosofia, portanto, é a possibilidade de retiro para reflexão e mais humildade para o “líquido venenoso”, o vírus.

O filósofo entende, agora silenciosamente, que a raça humana, essa tão grandiloquente espécie, que se arvora a modificar, explorar e esgotar a natureza, é uma espécie frágil que não consegue fazer frente a um vírus. Não que o filósofo se coloque numa plataforma superior (importante reafirmar), ele mesmo refletia sobre a quantidade de combustível que as aeronaves que o levavam a congressos em Oxford, Sorbonne, Harvard e USP dispersavam na atmosfera.

Sendo assim, na explosão de necessidades de contatos após um breve período de isolamento social, nessa roda viva onde o imediatismo vem colher a todos no julgamento de que uma semana trancado em casa é uma eternidade, como se estivessem condenados a viverem na solitária da Bastilha, o esperado serão aglomerações e aglomerações, até no jardim público onde senhores de boinas confraternizarão nos seus jogos de bocha.

Espera-se muito pouco do futuro nesse mundo pós-pandemia. O filósofo continuará no seu exercício de levar uma vida mais espirituosa, sem exigências de status e que bom seria se passasse ao largo da fama (“Quem foram os infelizes que informaram o meu número a esses ávidos urubus sensacionalistas? Se não tivesse que saber notícias de minha mãe, que está em Londrina, juro que descartaria o aparelho”.). Continuará lecionando, entendendo a máxima de que, num auditório, quando falamos para cem, dez prestam verdadeiramente a atenção, três se inspiram e procuram mudar comportamentos e apenas um o faz de fato.

Nada que o desestimule, e ainda mais agora que está às voltas com um estudo sério que afirma que as placas tectónicas no Brasil estão em vias de se assentarem, e em um estudo secreto de geólogos da USP aventam a possibilidade de um terremoto de magnitudes inimagináveis (Dr. Alcindo, um tanto quanto alarmista, disse ao filósofo que passará de 10 na Escala de Richter). Ambos discutem ainda, sendo que o filósofo sugere que, se a escala do sujeito vai até 10, não pode passar. “Que venha um matemático!” sugere Dr. Alcindo.

Marcelo Pereira Rodrigues

Pintura de Zdzisław Beksiński, “Untitled” (1985)

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