Inspirado na lenda com o mesmo nome, “Capone” retrata o último ano de vida de Alphonse Gabriel Capone, um notório homem do crime na década de 1920, nos Estados Unidos da América, mais precisamente em Chicago. Esta não é a primeira nem a segunda vez que a história de ‘Al Capone’ é trazida para o grande ecrã, mas provavelmente nunca nenhuma das outras obras teve uma abordagem tão “transcendente” quanto esta.
O ítalo-americano nasceu em Brooklyn no ano de 1899, e desde cedo revelou aptidões natas para a gestão e negócios, sendo que aproveitou essas qualidades para outros fins. Capone, graças à sua “vida de rua”, sempre conviveu com membros importantes da máfia americana, tendo subido na hierarquia de forma bastante rápida. Pelo caminho tombaram muitos adversários, mas aos vinte e poucos anos, Capone já controlava e tirava dividendos de negócios como casas de jogo, bordéis, bancas de apostas em corridas de cavalos, clubes noturnos, destilarias e cervejarias.
Em 1929, ‘Al’ foi nomeado o homem mais importante do ano, junto com personalidades da importância do físico Albert Einstein e do líder pacifista Mahatma Gandhi.
Com a Lei Seca em vigor nos Estados Unidos entre 1920 a 1933, durante a qual a fabricação, transporte e venda de bebidas alcoólicas para consumo foram banidas nacionalmente, o novo líder da máfia soube tirar partido de todas estas carências na sociedade, tendo ganho milhões de dólares. Com muito tráfico de influências e sangue, Capone dominava cerca de 50% das forças policiais, sendo cada vez mais difícil acabar com a hegemonia do gangster.
Tal só foi possível de uma forma: provar as fugas ao fisco. E foi isso mesmo que aconteceu. Capone esteve preso oito anos, tendo a sua saúde mental e física deteriorado. Em grande parte devido à sífilis, e é em 1947, quando o filme começa, que ‘Al’ termina a sua etapa por este mundo.


O papel principal está ao encargo de Tom Hardy, já responsável por personagens bastante caracterizadas e físicas. Exemplos disso são Max Rockatansky em “Mad Max: Estrada da Fúria” (2015), John Fitzgerald em “The Revenant: O Renascido” (2015) ou James Keziah Delaney em “Taboo” (2017-2020). Em “Capone”, Hardy é transformado numa pessoa demente, fisicamente debilitada e assombrada pelo passado.
O ator tenta passar o seu cunho pessoal para a personagem de ‘Fonzo’, adaptando a sua voz e utilizando uma linguagem corporal muito vincada. Se analisarmos os papeis na carreira de Hardy que mencionei, este não necessita de muitas palavras. As suas acções falam por si, mas, ao mesmo tempo, funcionam como uma espécie de barreira. Isto acontece em “Capone”, onde a frieza que confronta o espectador impede o mesmo de “entrar” e perceber mais a fundo a mente e o coração do mafioso mais conhecido do mundo.
A obra é realizada e escrita por Josh Trank, responsável pelo êxito “Quarteto Fantástico” (2015), e mostra-nos uma mansão cheia de arte, bens luxuosos, seguranças e uma pequena família que luta pela sobrevivência. Sobrevivência essa de Capone, um ser que parece sugar tudo o que o rodeia. Ao longo da narrativa somos confrontados por inúmeras visões e retornos ao passado, deixando o espectador muitas vezes a questionar se está a ver algo “real”. A verdade é que nem o próprio ‘Fonzo’ sabe muito bem, pois a sua sanidade é praticamente nula.
É através desta viagem mental que vamos descobrindo os segredos do ítalo-americano, assim como o amor que a sua mulher Mae (Linda Cardellini) não deixa evaporar. A família é uma pedra basilar na cultura mafiosa, no entanto, a certa altura ‘Fonzo’ deixa cair por terra esta importante premissa – revelando assim uma ruptura mental sem retorno.


Josh Trank tenta levar-nos pela mente de ‘Al’, confiando a Tom Hardy a expressividade de alguém que já só está parcialmente sóbrio. Por entre cigarros e roupas caras, a caracterização mostra-se perfeita, apesar do facto de 80% do filme se passar na mansão de Capone. Da perseguição a um jardineiro até à busca de 10 milhões de dólares, a mente do ‘Scarface’ (alcunha atribuída graças às cicatrizes que tinha na cara) mostra sempre alguns sinais de vida, deixando-nos sempre na expectativa de que algo “diferente” pode acontecer no desenrolar da narrativa.
Basicamente, “Capone” é um retrato fiel mas ao mesmo tempo fantasioso da última etapa de vida do ítalo-americano de 47 anos. As consequências do seu passado estão constantemente presentes, dando por vezes a ideia que a película procura uma espécie de redenção. O trabalho de Tom Hardy mostra-se fulcral, um bocado ao estilo one-man-show, mas não com uma preponderância como a de “Joker” (2019), protagonizado por Joaquin Phoenix.
Por vezes, muitas cenas parecem algo descontextualizadas ou até mesmo desnecessárias, contudo, algumas das transições oferecem uma dinâmica interessante à obra, que por vezes parece perder-se em experimentações – é impossível esquecer que se trata de uma abordagem biográfica. Uma excelente experiência, mas parece que fica a faltar algo.