Sair de casa tornou-se como uma excepção, e estando nós confinados ao espaço dos nosso aposentos, o quotidiano mudou, a forma de trabalho mudou, a própria vida mudou e talvez não volte a ser como dantes. Como um forma de tirar o melhor proveito do tempo que temos dentro de quatro paredes, recomendo cinco livros que tiveram impacto na minha vida e me ajudaram a conhecer novos horizontes. Tentei fazer uma selecção o mais diversificada possível de forma a dar a conhecer diferentes tipos de literatura e conteúdos. Espero que gostem e que aguce o vosso apetite pela leitura.

1.º “Poesia”, Daniel Faria (2014)
Um poeta-maior, que caiu no esquecimento, escreveu da melhor poesia alguma vez feita em Portugal. Falecido em 1999 com 28 anos, Daniel Faria, licenciado em Teologia e Estudos Portugueses, deixou alguns livros, nos quais demonstra o seu talento, com uma pesquisa sobre as infinitas possibilidades, a reflexão na sua infância, a fé, e até com um comentário bíblico. Esta edição da Assírio & Alvim reúne toda a sua poesia publicada, como “Homens Que São Como Lugares Mal Situados” (1998) e “Dos Líquidos” (2000), juntamente com alguns trabalhos inéditos, relembrando que Daniel Faria «foi um dos nossos maiores poetas do século XX».

2.º “A Sonata de Kreutzer”, Lev Tolstoi (1889)
Como uma mera viagem de comboio se torna numa inesquecível conversa. A narrativa minimalista desta novela foca-se no monólogo do protagonista Pozdnyshev durante uma viagem de comboio, com breves interacções com o narrador. Tudo começa numa mulher que discute que o casamento não pode ser arranjado mas, sim, baseado num amor genuíno, e aí Pozdnyshev pergunta “o que é o amor?“.
A partir deste momento, o protagonista, sendo um idoso, conta a história de como o seu casamento acabou em tragédia. Com o título emprestado da Sonata No. 9 para piano e violino de Beethoven, Tolstoi centra-se em temas como o ciúme, as relações, o sexo, a música, e a sociedade. Juntamente “A Morte de Ivan Ilyich“, “A Sonata de Kreutzer” é das melhores novelas escritas pelo famoso romancista russo.

3. Memórias, Sonhos, Reflexões, Carl G. Jung (1962)
A autobiografia de um dos mais conhecidos e influentes psicanalistas não é um simples relato, mas uma autentica análise à sua vida consciente e inconsciente. O próprio diz: “Apenas me consigo entender à luz de acontecimentos interiores, pois são estes que criam a singularidade da vida, e é deles que a minha autobiografia trata.“
Escrito entre 1957 e 1961, Jung partilha como nos seus sonhos e na sua experiência espiritual, via o Cristianismo não como um conjunto de tradições e hábitos, mas como uma relação pessoal com Deus, o influenciaram a investigar o subconsciente e o seu arquétipo. Todo o livro é um profundo mergulho na mente de Jung e talvez, juntamente com “Homem Moderno à Procura de uma Alma“, o melhor ponto de partida na sua gigante obra.

4.º “Elogio da Sombra”, Junichirō Tanizaki (1933)
Numa altura em que não podemos viajar, nada melhor do que um livro que nos dê a conhecer outra cultura, neste caso a japonesa. Comparando a cultura tradicional e a crescente modernização no Japão, Tanikazi escreve sobre diversos tópicos: arquitectura, artesanato, sanitas, alimentos, cosméticos e mono no aware. Nisto, o Ocidente, na sua luta pelo moderno, é apresentado como uma busca contínua de luz e clareza, enquanto Tanizaki vê formas de arte e literatura orientais como uma apreciação pela sombra e subtileza, intimamente relacionada ao conceito tradicional japonês. “Se não fosse pelas sombras, não haveria beleza“.

5.º “Esculpir o Tempo”, Andrei Tarkovski (1986)
Uma incrível viagem à metodologia e ao pensamento do maior e mais conhecido realizador russo. Desde “Infância de Ivan” (1962) até “O Sacrifício” (1986), Tarkovsky não procura explicar os seus filmes, mas sim, reflectir nos conceitos e temas neles apresentados, como as suas memórias, o que é a arte, o processo criativo, o tempo e Deus. Não obstante, o realizador escreve sobre a apática atitude do ser humano, absorvido pela tecnologia e ciência, face ao seu problema espiritual, o resultado é a perda de uma consciência que considera os outros mais importantes do que as posses materiais, e a competitiva cultura pop. Um livro essencial para quem quiser aprofundar o seu estudo nas obras de Tarkovsky, mas também no pensar o cinema.
Um bem-haja a todos e permaneçam distanciados!