O ser humano está condicionado a temer o desconhecido. Um exemplo clássico é o escuro, um espaço onde a percepção falha e a dúvida é permanente. Outro exemplo é a natureza e toda a estranheza que dela advém. “Creature from the Black Lagoon” (“O Monstro da Lagoa Negra“) é o filme onde o realizador Jack Arnold explora essa ideia através de uma criatura pré-histórica com aparência humana mas características de anfíbio. É o último monstro do legado deixado pelos estúdios da Universal, que estabeleceu uma era no cinema de terror nos anos 30 e 40.
O filme começa com uma expedição geológica na Amazónia, onde um cientista (António Moreno) descobre um fóssil de uma garra que data do período Devónico. Entusiasmado com o achado, o cientista reúne uma equipa para localizar o resto do esqueleto. A sorte não chega na primeira semana de exploração, até que tentam um pouco mais abaixo do rio, numa lagoa apelidada de “negra”. Nesse local encontram uma criatura que num primeiro contacto apresentasse curiosa, mas após a tentarem capturar, os seus instintos primários obrigam-na a lutar pela sobrevivência.
Os argumentistas Arthur Ross e Harry Essex adaptaram a história de Maurice Zimm com uma sensibilidade intemporal. Além de apelar ao medo mais primitivo da consciência humana, num ponto de vista histórico, a criatura pode ser encarada como uma metáfora para a ameaça nuclear que era fortemente sentida nos anos 50. É um enredo que por vezes exagera na exposição, mas consegue injetar um ângulo educacional que acaba por torná-la apelativa.

Entre as performances, os destaques são Lucas, (Nestor Paiva) o capitão do barco, Kay (Julie Adams), a única mulher do grupo, e claro, o homem anfíbio, que foi interpretado por dois atores, um nas cenas em terra (Ben Chapman) e outro nas cenas aquáticas (Ricou Browning). Lucas acrescenta breves momentos de humor à narrativa, enquanto Kay oferece uma presença forte e sensual, com um guarda-roupa variado. Apesar de sofrer do estereótipo da donzela em apuros, brilha numa sequência aquática particularmente memorável, que partilha com o homem anfíbio.
Os feitos técnicos de “O Monstro da Lagoa Negra” tornam o filme relativamente fresco, mesmo para os padrões atuais do cinema. Claro que o fato utilizado pelo homem anfíbio está longe de ser um efeito especial sofisticado, mas visto através da esbelta fotografia a preto e branco de William E. Snyder, os seus movimentos possuem uma qualidade animalesca autêntica. Isto verifica-se principalmente nas sequências aquáticas, onde as profundezas sombrias da lagoa amazónica são o local ideal para o homem anfíbio se esconder entre as algas marinhas e planear o próximo movimento.
No topo do bolo está uma cereja na forma da composição musical de Hans Salter. Não só faz um tremendo trabalho ao longo do filme, como precisa apenas de três notas musicais para alertar os cinco sentidos. Certamente que não aterroriza como fez na sua estreia, e no final até pode haver simpatia pelo monstro, contudo, a pluralidade das mensagens e o facto de ainda hoje inspirar vários cineastas, fazem deste pequeno grande filme um feito admirável.