“Sonhamos com algo, porém recebemos outra coisa diferente”
“Stalker”, Andrey Tarkovsky (1979)
Anos depois, encontrei-me frente a frente com uma das pessoas que, considero agora, mais impressionantes e um dos artistas mais miríficos do mundo do cinema. Palavras seriam insuficientes para descrever este caminho que percorri ao entregar-me ao cosmos cinematográfico tecido por Tarkovsky. Tentarei, quase em título de homenagem, escrever umas palavras para discernir este realizador russo de tantos outros, e despoletar um certo interesse neste universo de filmes, para que tantos outros fiquem, como eu, rendidos.
Iniciei esta poética jornada ao lado do filme “O Rolo Compressor e o Violino“, de 1961, e em 45 minutos de película, escrevo, fiquei rendida. Como é que um filme tão simples consegue presentear o espectador com um número tão grande de emoções e ao mesmo tempo, criticar a sociedade de forma tão poética. Ao gerar um paralelismo entre duas pessoas tão distintas, em tudo, é possível, compreender, que este dualismo existe em todas as sociedades, de infinitas maneiras e formas distintas.
Uma criança, ingénua, faz-se acompanhar do violino, um instrumento que possui um enorme valor simbólico quando comparado ao rolo compressor, da personagem que faz passar por um modesto homem das obras. É possível resumir duas pessoas a dois objetos inanimados? Na minha amadora perspetiva, creio que era precisamente esta metáfora que Tarkovsky fez representar. “Ambas as personagens vivem o sonho uma da outra”, e o que as define perante a comunidade é precisamente estes dois utensílios, o rolo compressor e o violino.

Plano de fundo, segunda grande guerra, a personagem basilar da narrativa é Ivan Bondarev (Nikolay Burlyaev), uma criança órfã soviética, o filme, “A Infância de Ivan” (1962). Porém, a essência daquilo que advém da palavra infância é inexistente quando esta criança acaba por encarnar a alma e mentalidade de um adulto em plena guerra. Durante quase toda a película, Ivan comporta-se como um soldado inclemente, e que em certa parte, mantém a postura de criança rebelde, dona da sua liberdade.
Pouco pensamos no que um ambiente de guerra transforma e faz à alma de uma pessoa que ainda está a construir grande parte da sua personalidade. Ivan não escolheu a guerra, muito menos escolheu separar-se da mãe (que recorda ao longo da película em flashbacks) e certamente também não lhe foi dada a opção de poder brincar e poder construir o imaginário tão necessário para o desenvolvimento cognitivo de qualquer jovem.
Para além de todo um argumento fabuloso, que apesar de se viver em tempo de guerra, pouco realmente fala sobre ela, é necessário também referir o trabalho de Vadim Yusov, diretor de fotografia, que tem um papel crucial na criação de “A Infância de Ivan”.

Para além destas duas magnificas obras que irão certamente permanecer sempre na minha memória, é importante frisar outros títulos de destaque na palete de Tarkovsky, tais como “Andrei Rublev” (1966), “Stalker” (1979) ou até mesmo o último filme realizado pelo russo, “O Sacríficio” (1986), filmado em colaboração com o realizador Ingmar Bergman.
Andrey Tarkovsky, nasceu na Rússia e para além de realizador, ao longo da sua vida fez trabalhos como ator. Foi (e é) um dos nomes mais importantes no mundo cinematográfico e foi o impulsionador do cinema soviético. Tarkovsky desenvolveu a teoria de cinema chamada “esculpir no tempo”. Com isto, o cineasta pretende que a verdadeira característica do cinema é transmitir a nossa experiência de tempo e alterá-lo. Com o uso de planos longos e poucos cortes nos seus filmes, Tarkovsky pretende dar aos espectadores a sensação de passar do tempo, do perder o tempo, e a relação entre um momento em tempo com o outro.
Ainda há, de facto, muito para desvendar sobre Tarkovsky, não só através dos filmes, mas devido a toda a influência que teve no cinema moderno, e nos realizadores que até hoje consideram Andrey Tarkovsky a sua maior inspiração, criando novas obras através das pegadas deixadas pelo cineasta russo.