E eis senão quando julgávamos que todas as histórias acerca das máfias estavam contadas, Martin Scorsese decide trazer o tema novamente para as telas de cinema… ou melhor, para a plataforma de streaming Netflix, com exibição em sala em alguns países, que não incluiu, com muita pena nossa, Portugal.
A temática deste “The Irishman” é por demais conhecida de todos. Filmes como “O Padrinho (I e II)” (1972; 1974), “Tudo Bons Rapazes” (1990), “Era Uma Vez na América” (1984), “Scarface – A Força do Poder” (1983) ou “Gangster Americano” (2007), entre muitos outros, já nos forneceram muitas ideias acerca do submundo das máfias que operam na América, com especial evidência para as máfias italianas, mais precisamente de origem siciliana e napolitana.
Neste filme, Martin Scorsese conta-nos a história de Jimmy Hoffa (Al Pacino), conhecido líder do Sindicato dos Motoristas de Camião entre os finais dos anos 50 e os inícios dos anos 70, que pela sua mão se tornou o maior sindicato da América com mais de um milhão e meio de associados. Hoffa sempre teve ligações íntimas com Russel Bufalino (Joe Pesci), líder mafioso de origem italiana e “chefe” da família Bufalino, e com o primo deste que se tornou seu advogado, William Bufalino (Ray Romano).

Finalmente, Scorsese usa Frank Sheeran (Robert De Niro), mais conhecido como “O Irlandês“, para nos contar a história em torno dele próprio e que nos conduz ao longo da narrativa aos acontecimentos centrais que envolvem Hoffa, Bufalino, o sindicato e a “organização”.
Tratando-se de acontecimentos reais, o realizador optou, como já referi anteriormente, por utilizar uma das figuras do enredo para fazer a narração dos factos que giravam à sua volta. Frank Sheeran era um modesto condutor de camiões de transporte de carne, quando, por factos diversos, se vê convidado a fazer parte da “organização” chefiada por Bufalino, que vê nele o colaborador ideal para resolver questões diversas ligadas aos negócios por ele controlados. O filme desenvolve-se ao longo de uma viagem em que o italiano, conduzido por Sheeran, se dirige para Detroit: onde se viria a concretizar o epílogo dos acontecimentos que nos vão sendo descritos pelo narrador (Sheeran).
Destes factos consta a história de como Hoffa geria os negócios relacionados com o Sindicato e o poder que tal função lhe conferia. No entanto, a ambição era grande e Hoffa vê-se envolvido numa teia legal que o conduz à prisão durante alguns anos, acusado de fraude e tentativa de suborno de um magistrado. Quando sai da prisão, após um acordo com Nixon, é impedido de regressar ao comando do Sindicato, mas não resiste e insiste em voltar ao poder.
Após Sheeran ser utilizado como braço direito de Hoffa ao longo dos anos, por proposta de Bufalino, é tempo de pôr um ponto final na situação e este último não hesita em levar Sheeran até uma reunião combinada em Detroit, a fim de este eliminar aquele que muito confiava em si, Jimmy Hoffa. Pelo meio vamos assistindo a desenvolvimentos em torno do funcionamento da “organização”, com cobranças coercivas de dinheiro junto de atividades controladas pela mesma e eliminação selectiva daqueles que impeçam o bom funcionamento da máquina. Algo que já conhecemos nestas “organizações”.

Ao longo da narrativa vemos um homem, Frank Sheeran (“O Irlandês”), absorvido pelas atividades da “organização” de que se dispôs a fazer parte. Este funciona como um “pau mandado” para os serviços a que só a ele são confiados e culmina a sua existência com o assassínio (mais um), a mando do “chefe”, daquele que era para ele uma referência de vida, a seguir ao próprio “chefe”. É a história de um homem só.
Já idoso, acaba a sua existência sem família, pois as suas filhas cortam relações com ele e os seus dias num lar são passados em solidão, ironicamente com o acompanhamento do padre da instituição. Chega mesmo a aprender a rezar! Quem tudo teve, acaba sem o mais importante, o amor daqueles que lhe são mais chegados. Ainda assim, permanece em silêncio até ao fim, não revelando nunca pormenores relativos à “organização” e à morte de Hoffa, mesmo após o desaparecimento de todos os outros envolvidos. Uma questão de honra.
Sabendo nós que estes excelentes atores já não são novos, De Niro tem 76, Al Pacino e Joe Pesci têm 79 e 76 respectivamente, não terá sido fácil para a equipa de produção tirar anos de idade às figuras que representavam. Este regresso ao passado é bem conseguido em algumas partes do filme, no entanto existem outras em que se torna evidente o passar dos anos nos atores.
Em termos de desempenho, nada há a apontar a estes “monstros” do cinema, sendo que apenas se torna difícil de esconder a idade quando o personagem é mais novo. Se estivermos predispostos a aceitar estes factos, o filme é muito bom. Excelente fotografia e caracterização à época. Scorsese não nos engana e produziu mais um excelente trabalho.
Em conclusão, “O Irlandês” é um retrato de época com um lote de atores experientes nos personagens que desempenham. Apesar do que atrás referi, vale muito a pena a sua visualização. Scorsese consegue transportar-nos ao passado com esta excelente película. Vamos ver se consegue trazer Óscares para o presente!
Bons filmes.