“Quando duas pessoas se amam e não conseguem fazer com que funcione… Essa é a real tragédia” – “Gone Girl” (2014)
A argumentista Gillian Flynn escreveu a frase que para mim define “Marriage Story”. Um romance cómico dramático que analisa um casamento na sua fase descendente. Dada a matéria-prima, é expectável que seja um enredo amargo, principalmente quando o sistema jurídico entra em cena, no entanto, são os momentos carinhosos e de ternura que realçam o filme de Noah Baumbach e o tornam tão comovente.
Charlie (Adam Driver) e Nicole (Scarlett Johansson) estão casados há 4 anos, mas Nicole está cansada de se sentir uma personagem secundária na relação – “Tudo é à maneira do Charlie“, afirma. Ele, ignorante das suas atitudes egoístas, aponta que tudo o que tem feito tem sido do melhor interesse da família. Sem o conhecimento do seu marido, Nicole prepara-se para se mudar de Nova Iorque para Los Angeles com o filho do casal, Henry (Azhy Robertson), para que possa perseguir os sonhos que nunca teve oportunidade de empreender. O que inicialmente não passava de um divórcio simples e concordante transforma-se num pesadelo judicial entre as cidades e a criança.
Tudo o que “Marriage Story” tem de magnífico começa na perspicácia e devoção do argumento assinado pelo cineasta. A primeira cena apresenta uma montagem dos protagonistas a declarar aquilo que adoram um no outro. Isto estabelece logo o tom da narrativa, define de antemão que toda a acidez que as personagens possam exclamar um ao outro não tem um fundo odioso, mas sim de desentendimento. A cena é verdadeiramente adorável, ainda que seja sol de pouca dura.
A realidade da separação não demora a abater-se sobre as personagens, pelas quais sentimos logo um grande afeto. Aqui, além da qualidade da escrita, entra também outro grande fator. Adam Driver e Scarlett Johansson nunca estiveram melhor nas suas respectivas carreiras. Grande parte do tempo as personagens entendem-se e toleram a presença um do outro, mesmo quando percebem o quão desagradável e mesquinho pode ser o processo de divórcio. Contudo, existe uma cena em que ambos entram numa discussão intensa que é emocionalmente amplificada pela excelência das suas atuações.
A par do dueto central está uma série de interpretações secundárias que ajudam o filme a manter a sua astúcia, comédia e qualidade dramática. Laura Dern encarna uma advogada implacável que entoa algumas das frases mais afiadas do filme. Julie Hagerty representa a mãe de Nicole, que teima em falar bem de Charlie. Entre os demais, Merrit Weaver, que interpreta a irmã de Nicole, protagoniza uma cena hilariante em que falha a entregar os papéis do divórcio a Charlie.
Enquanto realizador e argumentista, Baumbach (que no passado também se divorciou) parece ter atingido um pleno estágio de maturação com “Marriage Story”. Relações disfuncionais não são novidade na sua filmografia, mas esta triunfa de uma forma unicamente empática. É prazer e dor resultantes de uma ferida que, tal como um divórcio, deixa cicatriz.