Como é gostoso quando um livro nos chama. Funciona assim: passeando pela prateleira dos não lidos na minha biblioteca, deparo-me com “Chegou a tua vez, moleque” (Editora Limiar, 2021, 234 páginas). Como se a obra me convocasse: chegou o momento de me ler. O autor é Mouzar Benedito, um dos maiores estudiosos do folclore brasileiro, contador de causos nato e, dentre tantas atribuições, dá-me o privilégio de editá-lo na Revista Conhece-te. Mesmo com algumas poucas divergências políticas, o certo é que a afinidade e a admiração que nutro por ele só faz crescer. Carrega em si a fama de louco, mas afianço que não é.
A menos que a pecha seja o significado de um sujeito brilhante, afeito às artes e à literatura e que militou no jornalismo profissional e alternativo, tendo sido perseguido pela ditadura militar que imperou no Brasil de meados de 1960 a meados de 1980. Demasiadamente inteligente, conheci Mouzar através de uma entrevista que fiz para a Conhece-te. A conversa fluiu tanto que não fiz nenhum corte na edição. Resultado? Saiu publicada ocupando quase toda a edição. Daí para ser colaborador de textos foi um pulo e agora o escritor também é património nosso.
Não sei se em Portugal existe a tradição dos causos. Aqui no Brasil, notadamente nas regiões interioranas e agrárias do país, essa tradição ocorre em profusão. Via oral, pessoas vão narrando acontecimentos com citações engraçadas, anedotas, chistes e histórias com fundo de moral e aprendizado. Cabe ao contador destes causos causar impressão. Quando o faz via escrita, torna-se um deleite o acompanhamento destas histórias.

Neste “Chegou a tua vez, Moleque!” somos apresentados a Moisés (alter ego de Mouzar, certamente). Ele está em vias de se mudar para São Paulo na década de 1960, em busca de melhores condições de vida. Destino mais que natural. Oriundo de Cafezais, próximo a Abelhas, o menino de Nova Resende sabe que seguirá os passos dos irmãos, que também foram para a grande cidade tentar ganhar a vida. O miúdo é engraxate na pequena barbearia do seu pai e é lá que faz a verdadeira escola ao saber da vida de todos os habitantes do lugar.
São histórias divertidíssimas, que nos fazem sentir nostalgia das peraltices de quando éramos crianças, das brincadeiras inocentes e de como a paz e o sossego imperavam nestes sítios, bem diferente do presente, onde por menor que seja o vilarejo observamos miúdos envolvidos com drogas e com um estilo de vida bastante comprometido, adestrados todos que somos pelos smartphones e penduricalhos eletrónicos.
Nesta novela proposta por Mouzar, o rádio que transmitia os jogos do Brasil na Copa do Mundo no Chile, em 1962, era o aglutinador da população como um todo. Ficavam todos ali a imaginar a peleja futebolística. Televisão era artigo raro e somente em alguns domicílios havia. Telefone era outra excentricidade, tê-los em casa, esquece! Só se o indivíduo fosse bastante rico. Pedidos de ligações para telefonistas que chegavam a demorar uma hora para serem conectados, imaginem…

Roubos de fruta, roubos de frangos, rapazes perdendo a virgindade no puteiro da cidade. Partidas de futebol no campo da cidade. O padre Bento que teve que largar a batina após engravidar uma rapariga (foi honesto, largou o ofício e casou-se com ela), o grande benfeitor que construiu uma escola para que os miúdos fizessem o Ensino Médio, enfim, são tantos personagens e histórias engraçadas, que por vezes me surpreendia dando boas gargalhadas. O causo da negociação da égua prenha e do revólver é impagável. Numa permuta, como quantificar o preço de uma mercadoria e de outra?
Saudosista e pueril em muitos momentos, o tocante do livro é transportar-nos para cenários tão longínquos no espaço e no tempo, fazendo-nos reviver algumas agruras do passado. Quando era miúdo, passei por algumas dificuldades, mas mitigadas pelo avanço e pelas facilidades que o progresso nos trouxe.
Mais do que ler por obrigação, ler a obra do amigo e ter que mentir afirmando que é boa (desonestidade intelectual não faz parte de minha conduta), a alegria maior é o sentimento de que não perdi o meu tempo. Ato contínuo e durante a leitura, enviei alguns áudios ao autor demonstrando o quanto o seu livro era especial. E atrevimento maior deste admirador, solicitar ao escritor um encontro para ‘batermos um papo’ e tomarmos um café na capitar (sic) Sunpaulo (sic).
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