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“CODA” (“No Ritmo do Coração“, em português) conta a história de Ruby (Emilia Jones), uma jovem de 17 anos cujos pais, Frank (Troy Kotsur) e Jackie (Marlee Matlin), e o irmão mais velho, Leo (Daniel Durant), são surdos. Quando o negócio dos seus progenitores é ameaçado, a jovem fica dividida entre o seu amor pela música e as suas obrigações familiares. O filme é escrito e realizado por Sian Heder, que adaptou o argumento do filme “A Família Bélier” (2014).

Ruby está no último ano do secundário e numa altura de uma certa instabilidade financeira na sua família, a verdade é que nunca ponderou ir para a universidade, precisamente por esse custo não ser suportável, na sua atual situação. O pai e o irmão trabalham, juntamente com ela, na pesca. Mas, a verdade é que, neste ramo, há muita exploração e os lucros que a família recebe quase nunca são justos.

Sendo a única na família que ouve, Ruby sempre teve, ao longo da sua vivência, uma grande responsabilidade a seus ombros, que é a de facilitar a comunicação entre a família e o resto das pessoas. Além disso, sempre foi alvo de gozo e de preconceito pela condição do resto da sua família e, também, por ser uma família de poucas posses e bastante humilde.

Tendo sempre revelado uma paixão por cantar, mas sem nunca a conseguir concretizar e materializar, Ruby acaba por se inscrever no coro da escola, por influência de Miles (Ferdia Walsh-Peelo), o rapaz de quem gostava, perspetivando uma hipótese para se aproximar dele, apesar da sua timidez. A verdade é que ambos se destacam pela positiva, o que leva o professor, Bernardo Villalobos (Eugenio Derbez), a convidá-los a formar um dueto para uma festividade da escola. É através desse momento que Ruby e Miles se aproximam, permitindo que o aspeto mais romântico do filme comece a prevalecer.

Ruby (Emilia Jones), Frank (Troy Kotsur) e Jackie (Marlee Matlin)

Miles, que vem de uma família destruturada, vê a forma como a família de Ruby é unida e começa a sentir uma admiração imensa por aquelas pessoas que, apesar das dificuldades, conseguem fazer da união a sua maior força. Portanto, os sentimentos dela para com ele começam, inevitavelmente, a ser correspondidos. Além disso, e depois de o professor ter percebido que, de facto, o talento de Ruby é extraordinário, convida-a a trabalhar, juntamente com ele, a sua voz para uma audição numa famosa escola de música em Boston.

O mesmo convite fê-lo a Miles. O Professor Bernardo tem também, a certa altura da narrativa, um papel deveras importante ao incentivar Ruby em seguir o seu sonho e em como seria um desperdício ela abdicar disso, sendo tão bela e promissora a sua voz. A partir daqui, Ruby vê-se completamente dividida entre a possibilidade de concretizar o seu sonho e ter que deixar a sua família à mercê, sem ninguém para os ajudar na pesca e a facilitar a comunicação com as outras pessoas. É aqui que, efetivamente, o filme entra num território humanamente brilhante.

De facto, esta obra é absolutamente incrível na sua mensagem. Conseguindo englobar uma história que, sendo profundamente dramática, é também ela repleta de humor e de um tom bastante familiar, “CODA” é capaz de imortalizar tudo o que de bom a sétima arte permite: explorar as profundezas da humanidade, sendo frio, concreto e afirmativo quando necessário, mas também leve, otimista e esperançoso quando a realidade que cria assim o permite.

Além disso, as músicas do filme, em particular Both Sides Now, são verdadeiramente inesquecíveis – e a forma como Emilia Jones as interpreta é um regalo, tal como toda a sua interpretação. Fantástica, do início ao fim. A lamentar é a catástrofe de a deixar de fora na corrida ao Óscar de Melhor Atriz Principal.

Outra bela interpretação é a do seu “pai”, Troy Kotsur, que mesmo não tecendo nenhuma palavra ao longo do filme, consegue comunicar e transmitir tanto, constituindo um belo exemplo da qualidade dos atores surdos por todo o mundo e de mais oportunidades que merecem ter na indústria do cinema. Este é um forte candidato a levar a estatueta de Melhor Actor Secundário na próxima gala dos Óscares, algo que seria de uma justiça inolvidável.

Ruby (Emilia Jones) e Bernardo Villalobos (Eugenio Derbez)

Com efeito, o filme tem a capacidade de nos colocar dentro quer da família de Ruby, que não consegue ouvir, mas também dentro dela, capaz de sacrificar tudo por quem lhe é mais próximo, e através do trabalho exímio de character development que a narrativa concretiza, a fim de abraçarmos completamente a jornada da nossa protagonista e todas as contrariedades que lhe vão aparecendo pelo caminho. Por outro lado, “CODA” tem um duplo sentido neste filme: tanto representa a sigla para Children of Deaf Adults – Filha de Adultos Surdos –, como também significa o fim de uma composição: neste caso, de uma composição musical.

Ora, dentro da substância do filme, o fim desta composição é, na verdade, o início de algo novo, profundo e inovador. A forma como “CODA” consegue contar esta história, comunicando-a de uma forma tão leve, tão pura, tão sentimental, tão profunda na sua mensagem, torna esta longa-metragem, sem dúvida, uma das mais inesquecíveis dos últimos anos. É um filme tão forte e tão verdadeiro que a sua mensagem e beleza contemplativa se tornam quase como a cereja no topo do bolo das interpretações, do argumento, da estética e da própria banda sonora.

Assim, “CODA” é a prova de como o cinema pode ser tremendamente completo e abrangente nas mensagens e histórias que toca e transmite, permitindo que um tema tão pessoal e sensível como a surdez não seja impedimento, pelo contrário, para tornar um filme brilhante e inesquecível. Através da magia da interpretação das suas personagens e do seu argumento tocante, fascinante e emblemático, estamos perante um filme humanamente sublime.

Por um cinema feliz.

Tiago Ferreira

Rating: 4 out of 4.

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