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Porque A Arte Somos Nós

Estereótipo de roqueiro é quase caricato. Sendo guitarrista então, é quase cliché. Um homem que distorce as cordas e que torce a cara fazendo caretas quando faz um solo. Esta é até uma das facetas do lendário guitarrista dos Rolling Stones, Keith Richards, mas a coisa vai além. Se bem que o rosto vincado de rugas e da ação do tempo, da quantidade de drogas que tomou e que não o abalam e interessam mais, sejam uma marca, o certo é que após ler a sua biografia, “Vida” (2010), já aqui analisada, ficamos a conhecer o homem por trás do mito.

Desta forma, o documentário da Netflix “Keith Richards: Under the Influence” é um belo complemento. Lançado em 2015, com 1h22min, realizado por Morgan Neville, acompanha os bastidores do álbum a solo de Keith, “Crosseyed Heart”, após mais de duas décadas do último.

Bem acompanhado por Tom Waits, Steve Jordan e Waddy Wachtel, com imersões em dados biográficos como as cenas de infância de Keith e um pouco do histórico de como surgiram os Stones, quando ele se deparou com um garoto branquelo e linguarudo que também trazia um álbum do Chuck Berry debaixo do braço (o linguarudo em questão era Mick Jagger), e observamos nos bastidores as influências de Elvis Presley, do blues e nas cenas intimistas ficamos despojados observando o músico a ouvir o som no conforto da sua casa, numa vitrola super vintage.

Keith Richards nasceu em Dartford, Reino Unido, no ano de 1943, e em conjunto com Mick Jagger e Brian Jones formou os Rolling Stones.

Aliás, este documentário serviu para eu me inteirar da minha ignorância musical. Não me tinha atentado ainda para o som de Chuck Berry, mas ao ver um pequeno trecho da performance e o som característico, puta merda! Como eu consegui chegar até aqui sem ouvir este génio! O ritmo é dos infernos, no bom sentido. Importante registo também de como os Stones catapultaram outros artistas e os colocaram em evidência, exemplos mais claros de Howlin’ Wolf e Muddy Walters, fora de séries do blues e acredito que isso é que deu e dá vida longa aos Stones, pois uma das piores coisas do mundo certamente é transformar-se num cover de si mesmo.

Com um foco mais detido nos Estados Unidos, onde Richards reconhece a importância de ser o país onde se vence na música, pois se um artista consegue alcançar sucesso lá, e como o disco a solo é produzido em território norte-americano, nada como as reminiscências do guitarrista para as estrondosas turnés solo e da banda. E é claro que outras influências se somam e a música country norte-americana encontra vez e espaço nas inspirações de Keith.

Desde a biografia, encantei-me com a simplicidade de Keith no tocante ao seu trato com a música, o arranjo e o som que deseja fazer. Fiz uma analogia incrível com o processo de escrever, que é o meu ofício. Quando escrevemos em profusão, o segredo do sucesso, ou do prazer, é sempre escrever o próximo texto como se fosse o primeiro ou se fosse o último, nunca como mais um.

Pois o que me dá tesão no ofício é sentar e escrever, e se não tiver um notebook por perto, escrevo numa folha e ali fico a fazer experimentações. Numa levada de som, e mais precisamente com Keith Richards, isso acontece. Este incomoda-se continuamente e essa inquietação inspiradora traduz o seu ofício em simplicidade, sempre com acordes geniais.

“Keith Richards: Under the Influence” (2015)

Não me adequando à linearidade do documentário (ele também não é linear), observo a influência folk nos Stones e dá-se a saber os bastidores de uma das mais icónicas canções do grupo, Sympathy For The Devil, esta sim produz em mim um efeito alucinógeno (nunca me droguei, nem um mísero baseado), mas desconfio que produzam sensações mais positivas do que estas.

Aquela levada de arranjos, aqueles vocais ensandecidos e até a roupinha vermelhinha ridícula de Mick Jagger são acessórios dispensáveis. Subtraia tudo isso e deixe o som, o ritmo. Entra nos ossos. Durante uma temporada na Jamaica, onde residiu, Richards aproximou-se do reggae e absorvei mais influências. E até atuando num filme, levou um soco do genial Chuck Berry. Eu até me disporia a levar um soco do Richards!

Ser simples é algo que demanda muito talento. Você pode até se retorcer nos palcos, e Richards não necessita de muito para isso, basta ver a sua cara, mas a inspiração e a criação deixam-no focado naquilo que é e sempre será essencial para um músico: o som afinal.

Por vias indiretas aprendemos bastante. Já na biografia o guitarrista ensinou-me até a alimentar, afirmando que algumas instituições idiotas nos fazem comer em horas convencionais. Neste documentário reafirma-se o gozo da criação, da busca por referências e senso de descobertas e talento, com o resto a verificar-se nas performances ao vivo. Se eu envelhecer a escrever da mesma forma que Keith Richards compõe, serei o sujeito mais realizado da história da literatura. E deixem eu ouvir o Chuck Berry, para me curar de tanta estupidez. Fica a dica!

Marcelo Pereira Rodrigues

Rating: 3.5 out of 4.

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