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Paisagem fria, palácio vazio, exército, segredo, tradição. Repito, tradição. “Spencer” abre-se ao espectador desde o início, não esconde segredos, ou quanto mais, tenta brincar com eles. Sensorial, o filme inicia-se com a preparação da época natalícia da família Real Britânica, com uma armada de cozinheiros e um chef prontos a satisfazer o apetite voraz da Coroa. Todos os convidados devem chegar antes da Rainha, exige o proctólogo, e assim parece ser. Contudo, após uma audaz sucessão de planos, apercebemo-nos que a estrela da companhia está em falta. Atrasada, mas iluminando todo o seu caminho, a Princesa Diana vê-se no “meio do nada” a questionar todos os presentes onde está. Perdida? Nunca.

“Spencer”, em homenagem a Diana Frances Spencer, retrata três dias na vida da princesa mais mediática de sempre. “Lady Di”, a Princesa de Gales, esposa do Príncipe Charles, continua perdida. Depois de no seu Porsche Carrera conseguir achar o caminho para o palácio onde se celebra uma das épocas festivas mais importantes do ano, o Natal, Diana vê-se a entrar num mundo vazio, doloroso e desgastante (irónico, não?). Irreverente, não se mostra adepta da tradição, como uma cassete presa no tempo que tende a corroer toda a felicidade da espontaneidade. Kristen Stewart, num papel duro e exigente, impera personalidade e beneficia de um trabalho de maquilhagem e de uma caracterização exímia.

Kristen Stewart (Princesa Diana)

Realizado por Pablo Larraín, “Spencer” transporta-nos para a beleza, o amor, a deceção e a melancolia de Diana. Uma montanha-russa de emoções capazes de contar uma história através de uma belíssima fotografia e diálogos objetivos. Escrito por Steven Knight, a narrativa começa por reavivar a memória dos Spencer, pois a sua antiga casa é literalmente ao lado do local onde a Família Real irá celebrar o seu Natal. Diana, nostálgica, fica presa à ideia de visitar a sua antiga casa, ideia essa alimentada por uma peça carregada de significado: o antigo casaco de seu pai. Graças a essas memórias (e ao casaco), a narrativa entrelaça-se entre o presente e o passado.

Alienada do resto das pessoas, como já era sabido, Diana seduz através da impotência, trazendo sempre consigo um guarda-roupa que poucas estariam autorizadas a utilizar. Nesse campo, diria que “Spencer” é um dos melhores filmes deste ano no que toca ao vestuário. Larraín deixa isso bem claro no foco que dá aos momentos de vestir e despir, assim como as referências verbais à etiqueta dos trajes a vestir em cada momento do dia. O realizador já havia vincado a sua tendência para o poder visual dos personagens, quer seja a nível de expressões e pormenores corporais, quer seja na sua indumentária. O último exemplo disso é “Ema” (2019).

Uma vez no seio familiar, Diana entra numa espécie de buraco negro, onde a sua única luz são os seus filhos – Henry (Freddie Spry) e William (Jack Nielen). Estes são a única preocupação da princesa, sabendo-se que esta se opunha a uma educação bastante rija e ortodoxa por parte da família real. Estas são pessoas que nascem com um caminho traçado, com obrigações perante todo um “Reino”, mas que na realidade têm necessidades como qualquer um de nós, a curiosidade pelo que é simples e comum.

“Spencer”

A série “The Crown” (2016-), disponível na Netflix, espelha isso muito bem, inclusive os dramas na vida de Diana e da família real. Assim sendo, é quase impossível por vezes não comparar estas duas obras…

“Spencer” tem uma história bastante condensada, tentando contar muito em pouco tempo. Curiosamente, consegue a maior parte do tempo, dando por vezes demasiada atenção a personagens secundárias que se percebe desde início o seu papel na frágil vida de Diana. Aqui, falo por exemplo de Maggie (Sally Hawkins), a confidente e única amiga de Diana (tirando os filhos) ao longo desta narrativa. Quando assim não é, os momentos que a princesa passa na casa-de-banho tornam-se agoniantes, funcionando a repetição como uma afronta ao espectador – compreensível, mas a certa altura pouco acrescenta.

No que toca à família real, Richard Sammel tem uma tarefa bastante simples enquanto Príncipe Charles, mostrando-se seco e distante (uma crítica sincera a Charles?), e pouco há a dizer de Stella Gonet enquanto Rainha Isabel II, pois não esquecer que Larraín até aproximadamente metade do filme, insiste em não mostrar as caras da maior parte da família, talvez como uma afirmação de que esta obra é, literalmente, de Diana.

Tal como Charles a certa altura afirma “tem de haver duas de ti (Diana), uma tu real e uma a quem eles tiram fotografias“, percebemos que “Spencer” nos oferece a verdadeira princesa, o retrato de alguém que apenas queria ser real, algo que naquele meio parece ser impossível, pois ali “o presente e o passado são a mesma coisa“.

Kristen Stewart (Princesa Diana) e Sally Hawkins (Maggie)

Vestidos, refeições, caça, segredos, tradição. A melancolia de Diana estende-se ao longo da narrativa, tornando “Spencer” uma obra para ser sentida e não contada. Kristian Stewart consegue realmente deixar uma marca muito própria ao interpretar umas das mulheres mais mediáticas e carismáticas de sempre. Diana era um pássaro no ninho errado, ou melhor dizendo, enjaulado. A visita à sua antiga casa parece ser uma vitória em toda a narrativa, mas pouco é exprimido do seu passado, ou seja, o filme poderia ser mais rico neste âmbito caso Larraín não se fechasse tanto na “Náusea” da princesa.

Numa apreciação geral, não podemos descurar a banda sonora de Jonny Greenwood, que por si só é uma obra digna de estar nomeada para um futuro Óscar de Melhor Banda Sonora. A música clássica e o jazz casam numa perfeição audaz, salientando o lado contemplativo da fotografia de “Spencer”, assim como as emoções à flor da pele por parte da nossa personagem principal. Um cocktail poético digno de ser enaltecido. É verdade que por vezes a obra se perde nas rotinas da ação, mas acredito que Larraín não quisesse fazer apenas “mais um filme” sobre a princesa Diana. Quis, sim, contar uma história triste da forma mais bela possível.

Rating: 3 out of 4.

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One thought on ““Spencer”: O quadro imperfeito de Diana

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