OBarrete

Porque A Arte Somos Nós

Muitas vezes somos surpreendidos pelas histórias por detrás de grandes obras, quer sejam elas cinematográficas ou musicais, e a produção australiana “Under the Volcano” sabe perfeitamente conjugar essa mística visual e sonora. Como pano de fundo temos o já extinto estúdio criado pelo produtor e engenheiro de som Sir George Martin, que após produzir bandas e músicos como os The Beatles, The Jimi Hendrix Experience ou Elvis Presley, decidiu criar um “ambiente de trabalho” alternativo, em contacto com a natureza, de forma a estimular a criatividade dos artistas. Para isso, nada melhor do que uma ilha nas Caraíbas, mais precisamente Montserrat, território ultramarino do Reino Unido.

Imaginem uma ilha “isolada” do mundo, um pequeno paraíso onde todos se conhecem e nada de extraordinário se passa (a não ser haver um vulcão adormecido). Um dia chega um dos mais bem sucedidos homens da indústria musical e quer construir um estúdio numa zona privilegiada dessa mesma ilha, com a melhor e mais recente mesa de som à época, sendo isso sinónimo de visitas “premium“. E quem são esses convidados? Duran Duran, The Police, Dire Straits, Stevie Wonder, Paul McCartney, Elton John… Acreditem que podia continuar, mas vamos ficar por aqui.

Ao início é partilhada uma história deveras interessante: na última noite de Stevie Wonder na ilha, este pediu expressamente para tocar no bar local, com apenas um piano e sem limite de hora. Resultado: a noite que os empregados mais faturaram até ao dia de hoje. É importante colocarmo-nos no contexto daqueles habitantes, pois de um momento para o outro a ilha estava a ser “invadida” pelos músicos mais bem-sucedidos do mundo. “Under the Volcano” prova que realmente o ambiente que nos rodeia interfere no modo como comunicamos, e como não considerar a música um dos veículos mais expressivos e importantes na comunicação de uma mensagem ou sentimento?

O ensaio dos The Police nos AIR Studios

Certos casos são mais mediáticos do que outros: os The Police gravaram “Ghost in the Machine” (1981) em Montserrat, nos AIR Stuidos, onde nos é revelado a facilidade com que a famosa Every Little Thing She Does Is Magic veio ao mundo. De forma sempre bastante rica a nível de gravações caseiras da época, assim como entrevistas com os artistas atualmente, Sting revela de que forma é que a ilha afetou a banda negativamente. Com a distância física da família e relações em deterioramento, a arte sobrepôs-se ao pessoal.

Entre longas caminhadas e skysurf, “Synchronicity” (1983), o quinto e último álbum de originais dos The Police, foi também em parte concebido nos AIR Studios. É deste trabalho que vem um dos maiores hits da banda, Every Breath You Take, o início do fim de um projeto que continua a marcar gerações e géneros musicais. Todos os membros admitem que experimentar a solidão mais a fundo foi uma experiência dolorosa, mas enriquecedora a nível pessoal e profissional. Simultaneamente a essa solidão, os momentos de união revelaram-se intensos e extremamente produtivos.

No caso dos Dire Straits, basta mencionar o álbum azul com a guitarra na capa… sim, precisamente “Brothers In Arms” (1985). A banda de Mark Knopfler vinha de um crescendo comercial, mas nada que se comparasse ao breve futuro. É neste trabalho que podemos encontrar faixas icónicas como Money For Nothing – Sting participa com os vocais de apoio, uma história que o documentário esclarece muito rapidamente – So Far Away ou Walk Of Life. Esta última foi sentenciada por um dos habitantes e amigo da banda, como um dos maiores sucessos que os Dire Straits alguma vez teriam… Desafio-vos a ouvirem Ride Across The River e a perceber se o ambiente tropical da ilha não influenciou a canção.

No caso de Elton John, “Too Low for Zero” (1983) foi o grande regresso do artista “perdido em combate”, ou neste caso, perdido no seu ego e nos seus vícios. Este trabalho marca o regresso da colaboração de Elton com Bernie Taupin em todas as faixas do álbum, um hiato que durava desde 1976. É neste “Too Low for Zero” que encontramos I Guess That’s Why They Call It the Blues ou I’m Still Standing, sendo esta última uma afirmação do seu “regresso à vida”. Elton vinha de várias desintoxicações, problemas relacionados com o consumo de cocaína, compras compulsivas e uma vida amorosa desequilibrada. Nada melhor do que fugir do mundo para uma ilha paradisíaca e gravar um novo álbum.

Um Elton John descontraído em Montserrat

A lista de histórias continua, mas penso que o mais importante a reter, para além dessas narrativas serem todas interessantes, é também ser-nos oferecido o ponto de vista dos locais, que criaram amizades com pessoas à primeira vista “inalcançáveis”. “Under the Volcano”, pelo seu carácter mais íntimo, consegue desmascarar os artistas e os seus egos, entrar em parte dentro nos processos criativos dos mesmos, e seduzir o espectador com histórias que nos fazem olhar/ouvir certas canções de outra forma.

A narrativa nunca perde ritmo, pois quando George Martin deixa de ser o protagonista, a obra homenageia todos os outros intervenientes que ajudaram e tornaram possível a magia da música. Contudo, o icónico produtor está sempre omnipresente. Infelizmente, nada é eterno, e costuma-se dizer que o que é bom acaba depressa. Foi o caso dos AIR Studios. Em 1989, logo após os Rolling Stones terem gravado o álbum “Steel Wheels”, o acordar do vulcão Soufrière Hills e depois o furacão Hugo devastou a ilha e tornou-a inabitável durante vários anos. O estúdio encontra-se hoje em ruínas, não sendo ainda permitido visitar o mesmo.

Realizado pela atriz e produtora australiana Gracie Otto, “Under the Volcano” mostra-se como um dos melhores documentários musicais de 2021, espelhando na sua plenitude toda a história a que se compromete. As suas fontes são credíveis e estão narrativamente bem organizadas, sendo os elos de ligação orgânicos e fluídos. Não se restringe apenas aos factos e sabe explorar o lado dramático dos seus intervenientes. E o ingrediente mais importante, tendo em conta o contexto da história, tem muita (e boa) música!

Rating: 3.5 out of 4.

Se queres que OBarrete continue ao mais alto nível e evolua para algo ainda maior, é a tua vez de poder participar com o pouco que seja. Clica aqui e junta-te à família!

IMDB

Rotten Tomatoes

Leave a Reply

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

%d