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“Kiki’s Delivery Service” (1989) — em português, “Kiki – A Aprendiz de Feiticeira” — é um filme com uma premissa simples, mas que se consegue reinventar quando necessário. Narrativamente falando não é muito complexo — nem precisava de o ser —, e a sua maior valência está no seu sentimentalismo. Numa metáfora global que acaba por satisfazer as necessidades, vai tendo na introspeção da protagonista e no seu struggle principal a sua grande fonte intelectual. O filme é escrito e realizado por Hayao Miyazaki, e o argumento é baseado no romance homónimo de 1985.

Esta é uma história que de certa forma não arrisca muito e vai sendo bastante linear. Do ponto de vista crítico, isso não é necessariamente sinónimo de lacuna, apenas de mera escolha de direcionamento de plot. A nossa personagem, Kiki (Minami Takayama), é uma bruxa de 13 anos. Chegou a altura de se aventurar durante um ano numa cidade desconhecida para desenvolver a sua maturidade, hábito que todas as bruxas seguem. Como companhia leva o seu gato Jiji (Rei Sakuma), personagem que aprofunda comicamente a narrativa.

Kiki (Minami Takayama) e Jiji (Rei Sakuma)

Relativamente às questões em que o filme toca com bastante brilhantismo, de enaltecer a ideia de como é difícil nos reinventarmos num ambiente fora da nossa zona de conforto e em como é importante nos rodearmos das ‘pessoas certas’ para “sobreviver” nesse contexto. Além disso, na matéria mais fantasiosa da narrativa, a questão dos poderes de Kiki, estes são uma metáfora muito interessante e rica acerca da importância de lutarmos pelo nosso «talento» ao longo da vida. Quanto ao seu tom, é bastante reconfortante na forma como direciona as vicissitudes e relações que se estabelecem. No entanto, pode ter-se a leitura de que entra ligeiramente em território genérico em finais de segundo ato.

Por outro lado, o que há de mais interessante nesta produção é, sem dúvida, aquilo que oferece em entretenimento. A forma como a personagem de Kiki é construída, sob um ponto de vista inocente mas com uma personalidade forte e vincada, traz à narrativa uma âncora de simplicidade muito própria. Simplicidade essa que pode ser vista como a palavra-chave deste filme, sobretudo por tocar em pontos tão pertinentes do nosso quotidiano, sob um ponto de vista muito dinâmico e sui generis.

Posteriormente, até mesmo a questão das relações humanas tem um toque muito importante neste filme, nomeadamente, o facto de nós em primeiro lugar precisarmos de estar bem connosco para nos darmos aos outros, para entendermos exata e verdadeiramente aquilo que sentimos, e que por vezes as melhores conexões que estabelecemos nascem por mero acaso e circunstância.

Kiki, na sua nova cidade, passa por algumas dificuldades de adaptação. Acaba por se rodear das pessoas certas e abrir um negócio de entregas, usufruindo do seu talento de voo. Nesse interlúdio, depara-se com uma regressão da profundidade dos seus poderes, algo que adensa a real metáfora inerente à história: precisamos de deixar fluir o que está dentro de nós, sem forçar, focando-nos no que é verdadeiramente importante. Aí, Kiki tem o gatilho para realmente cumprir o desígnio que a levou a ingressar numa cidade desconhecida.

“Kiki’s Delivery Service” (1989)

Do ponto de vista mais estrutural da história, o filme vai levando um rumo sem grandes sobressaltos, estando bastante seguro de si, mas sem trazer dinâmicas muito complexas. Ainda assim, cumpre com aquilo a que se propõe e tem bastante impacto em matéria de subtexto. Nesse sentido, analisar esta história como filosófica e humana é uma visão extremamente acertada.

No entanto, a forma como finaliza a sua narrativa poder-se-á entender como ligeiramente repentina e que sabe a pouco. Algo que não ataca, de todo, a profundidade das questões em que toca, o seu carácter inesquecível – principalmente associado à nossa protagonista, como um todo –, e mostrando como é, de facto, possível contar histórias verdadeiramente pertinentes, profundas e reflexivas com um fundo fantasioso e irreal. Neste caso, a beleza da nossa (ir)realidade toma conta de nós e faz a diferença, e bem, no mundo (do espectador).

Bons filmes.

Tiago Ferreira

Rating: 3 out of 4.

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