“Pig” (2021) conta história de Rob (Nicolas Cage), numa procura desmedida pela sua porca, raptada de forma súbita em plena madrugada. O filme é escrito e realizado por Michael Sarnoski, que divide os créditos do argumento com Vanessa Block.
Rob vive numa cabana, isolado, longe da civilização e tem na sua porca o seu grande refúgio emocional. O desaparecimento desta abriu um vazio colossal em si, além de vir na sequência da perda da sua esposa. Rob é uma personagem com um peso dramático bastante forte: uma pessoa com uma carga emotiva muito pesada, com um olhar carrancudo, fechado e um tanto ou quanto sombrio.
A questão mais paradoxal aqui, e a qual nos vamos apercebendo ao longo da narrativa, é que Rob está bastante lúcido, bem resolvido mentalmente consigo mesmo (apesar do sofrimento pelo qual passa) e isso é algo bem patente na sua calma, tranquilidade, frieza e sabedoria em lidar com os seus problemas. Rob mede bastante bem as suas palavras e as suas ações e, mesmo em toda esta jornada de procura incessante, essa sua personalidade madura e calculista vai-se mantendo intacta.
Para conseguir ir encontrando pistas sob o paradeiro da sua porca, o nosso personagem principal recorre ao seu conhecido Amir (Alex Wolff), que é também seu cliente: Rob, juntamente com a sua porca, vendiam a Amir as trufas que iam encontrando na floresta – que subsequentemente as vendia a uma rede de restaurantes –, e era desta forma que conseguiam subsistir. De destacar que a porca de Rob é conhecida por ter a habilidade de encontrar as trufas mais inacessíveis, algo que se espalhou e que resultou no gatilho de interesse para a raptarem.

“Pig” vai bebendo um pouco de vários géneros, sendo um drama objetivamente marcado, mas que junta um certo carácter de thriller à sua narrativa. Além disso, apresenta um ritmo lento, o que contrasta com a sua fluidez – muito devido à interpretação sublime de Nicolas Cage. Aqui, o ator tem uma performance que vai contra o seu registo habitual, conseguindo transmitir tanta emoção, carisma e personalidade, mesmo sendo reservado na sua comunicação verbal.
Apesar da sua personalidade taciturna, o nosso protagonista vai transmitindo quase tudo o que é necessário através do olhar e das suas ações. Rob é uma pessoa com um olhar pesado e quase inexpressivo, repleto de angústia, sofrimento, e que simplesmente desistiu de tudo (amigos, família, profissão), mas que, de certa forma, conseguiu encontrar paz (ataraxia), precisamente, na natureza.
Este último tem uma caracterização física muito própria, parecendo quase um mendigo, sem hábitos de higiene, com roupas velhas e sujas. Além disso, ele fica ferido após o rapto da sua porca, ao ponto da sua cara ficar repleta de sangue – sangue esse que ele se recusa a limpar ou tratar, quase que como uma bonita metáfora para o filme: no que a ele diria respeito, não teria qualquer tipo de sangue (violência).
Relativamente a Amir, um personagem também ele importante para a essência da história, surge como um jovem que se está a tentar afirmar constantemente, apesar de todas as suas inseguranças. Este refugia-se em certos elementos como roupas de marca, carros topo de gama e em tentar construir uma posição social, revelando ser, neste aspeto, uma pessoa fútil mas que também ela gentil e amigável.

“Pig” é um filme altamente provocador, alimentando o espectador de que a derradeira violência está para chegar, mas no momento certo a narrativa acaba por tomar um outro caminho, um mais certeiro – o da empatia, compreensão, aceitação, tudo valores bem intrínsecos em Rob. Além disso, do ponto de vista humano, toca em temas muito sensíveis de forma prolífica, profunda e altamente pertinente.
A forma como explora a questão das conexões, quer sejam elas entre humanos, ou com animais, e a própria maneira como ilustra o impacto da perda na personagem de Rob, que nunca conseguiu superar a morte da sua esposa e, inclusive, ao tentar salvar a sua porca, está no fundo a tentar salvar-se a si mesmo, uma vez que, sem ela, perderia todo o seu sentido de existência.
Até nesse sentido filosófico o filme consegue ir perfeitamente ao ponto. Além disso, junta uma trilha sonora que vai complementando de forma madura e clínica a sua cinematografia agradável, penetrante e envolvente. É interessante ver também que as cenas com elevado teor dramático, em vez de apostar em planos fechados, focando a emoção dos personagens, desenvolvem-se inteiramente num plano aberto, mostrando as personagens de longe, de forma a estimular a imaginação dessas emoções.
Por isto e muito mais, “Pig” é um exercício de visualização inesquecível, marcante e introspetivo. Consegue, ainda, fechar a obra de forma genial, construindo uma metáfora deveras elucidativa para os nossos tempos: “Qualquer um que sobreviva, fica apenas à espera” (Rob).
Por um cinema feliz.
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One thought on ““Pig”: Voragem etérea”