Não é em vão que se costuma dizer que a miséria adora companhia. Ela nutre-se dela, saliva só de lhe inalar o rasto. Procura o seu aconchego inocente e maleável, até se materializar em atos vis e indiferentes. Por sua vez, quando a inércia não permite melhor, perpetua-se um ciclo vicioso no qual a companhia apodera-se, por convivência, das características mais abjetas da miséria.
É neste lamaçal dramático que “Holiday”, a estreia da cineasta sueca Isabella Eklöf, encharca a narrativa de personagens boémias e perversas. Sascha (Victoria Carmen Sonne) é uma jovem loira de cara bonita e corpo bem feito que é acolhida na família (entenda-se, gangue) do seu namorado, Michael (Lai Yde), um homem de meia-idade que vive como quer à custa do negócio da droga. A estadia de luxo tem lugar numa vivenda de férias na cidade portuária de Bodrum, na Riviera Turca.
O cenário paradisíaco e imaculado parece assentar nas ambições ingénuas de Sascha, mas rapidamente o estilo de vida violento da família começa a compor uma fotografia muito mais sombria. Por entre a violência física e psicológica, a jovem conhece Tomas (Thijs Römer), um visitante cujos princípios retos oferecem um destino alternativo à protagonista.

Com estreia no Festival de Sundance, em 2018, esta coprodução internacional deambula sobre as temáticas do domínio do homem sobre a mulher, assim como o contágio emocional da brutalidade. Primeiro através de breves mas precisas agressões e depois pela manipulação indecente do corpo feminino, onde a montagem na hora H previne a exposição a atos mais explícitos. Essa salvaguarda termina num momento pivot do filme, onde somos compelidos a observar atos de selvajaria e degradação que remontam diretamente à hostilidade penetrante de “Irreversível” (2002), de Gaspar Noé.
Os abusos são difíceis de tolerar e os mais escrupulosos estão aconselhados a assistir à cena de olhos entreabertos. No entanto, importa referir que passar pela experiência é crucial para processar a gravidade das decisões de Sascha a certo estágio da narrativa: juízos frios e calculados. Um espelho da forma de filmar de Eklöf, que preenche a história com um tom clínico, evocando alguma da (in)sensibilidade do cinema de Michael Haneke. Por intermédio de uma direção de fotografia desconcertante e removida das personagens, “Holiday” privilegia planos abertos e deixa para a ocasião a intimidade do close-up.
Estas características estão em sintonia com uma composição imagética agradável, em espaços cuidados e com frequência bem iluminados. O que provoca um contraste curioso com a matéria negra que aborda. Uma clara declaração de que a crueldade inflamada não escolhe entre a luz ou sombra, classes ou géneros: pois alguns homens também não saem ilesos dos pecados físicos do filme.

Existem, portanto, tentativas de tornar o argumento mais complexo, sendo que o potencial esgota-se nas personagens estereotipadas e meramente funcionais. Conhecemo-las mais por referências cinematográficas passadas, isto é, pelo que elas representam, e não pelas interações que estabelecem entre si. O que faz com que seja uma hora e meia algo instigante, mas despida de chamariz nuclear – talvez porque, embora convincente no seu papel, Sonne tenha alguma dificuldade em instituir uma presença magnética no grande ecrã. Colocando-me no papel de advogado do diabo, a própria personagem enquanto pessoa não aparenta ter assim tanto que se lhe diga…
O ponto alto do drama e o subsequente desfecho oferecem mais questões do que respostas, no entanto, está longe de ser indecifrável. Mais depressa causa alguma perplexidade. Um sentimento que procura induzir reflexão sobre a influência que temos no outro. A escultura da personalidade também como responsabilidade humana. Nuances psicológicas viciantes que, na minha análise, têm mais influência do que a simples vontade de ter um limite elevado no cartão de crédito.
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