O filme “The King” é para ser visto atentamente. O grande mérito adveio da escolha, em simplesmente assistir sem nenhuma prévia ou sinopse, a não ser uma breve frase afirmando tratar-se de Henrique V. Quando nos créditos finais soube que havia sido uma realização da produtora de Brad Pitt, gostei de não saber deste detalhe, pois muitos preconceitos poderiam advir dessa informação. Mas o que é soberbo merece ser resenhado e aqui estou humildemente, apresentando as minhas impressões.
A esclarecer: gosto de filmes e livros de reinos de outrora, e quando estive em Lisboa, no imponente Castelo de São Jorge, refleti muito sobre o que seria a extensão de um poderio familiar que arregimentasse uma nação e o reconhecimento destes reis que significavam praticamente os enviados de Deus à terra. Enfim, dá pano para mangas e muitas investigações.
E é incrível notar que o luxo e a ostentação de outrora pareciam ser mais contidas do que as atuais, como a exibida e perdulária monarquia britânica atual com as suas carruagens cafonas, fofocas de tabloides e uma gente que não me desce goela abaixo. Respeito pelo facto de ter que respeitar, mas é tudo muito anacrónico e pomposo. Óbvio que essa minha observação é extemporânea, a título de implicância mesmo.
Mas vamos ao eixo do filme. “The King”, realizado por David Michôd e escrito por Joel Edgerton em conjunto com Michôd, conta no elenco com os atores Timothée Chalamet, Robert Pattinson, Ben Mendelshon, Joel Edgerton, Lily-Rose Depp, Dean-Charles Chapman, Sean Harris, entre outros. Com as suas duas horas e vinte de duração, é um drama histórico baseado em peças de William Shakespeare (também só vim a saber disso depois).

O Rei da Inglaterra está doente e com as poucas horas de vida contadas. O seu exército está em luta com os escoceses numa renhida batalha local, e ele manda chamar ao seu filho mais velho, o rebelde Henrique, que vive na sarjeta bebendo todas e vivendo a vida desregrada, sendo vigiado pelo amigo e protetor John Falstaff, que deve à dona da taverna a sopa e as acomodações. Muitas vezes, ele terá que limpar o vómito do jovem indómito. Ao entrar ao castelo, já se percebe que a relação pai e filho é tensa, sendo que o rei o informa que passaria a coroa para o seu irmão mais novo, Thomas.
Henrique parece não estar interessado nas coisas da realeza, mas ainda adverte o irmão para que não entre em batalhas que não eram as dele. O seu conselho é em vão e com muita bravura, o príncipe herdeiro morre honrosamente em combate e agora sim, quer queira, quer não, o trono será destinado a Henrique, que ainda tem tempo para retirar a manta do seu pai e fazer com que o velho repugnante sentisse o frio da morte.
Rei morto rei posto, Henrique é coroado e tenta ser exatamente o oposto do pai, não querendo invadir nem declarar guerra a outras nações, mas percebe-se desde o começo que ele é bastante inocente nos assuntos do poder e da guerra. E não se atenta à corte corrupta que o assessora. Percebe-se um certo desprendimento quando ele redistribui os presentes enviados por outros reinos, saudando o jovem rei. Mas um enigmático presente francês pode soar como uma ofensa: uma bola. Seria pelo facto de os franceses o considerarem ainda uma criança? Provocação gratuita?
Bastidores, fofocas, a necessidade de expansão e o ódio aos franceses (e vice-versa) e o desmonte de uma encomenda de morte a Henrique, quando o salvam de um suposto assassino que viera fazer o serviço, a mando dos gauleses. Em tempos onde a comunicação levava dias, e quando certos factos a serem interpretados eram soberanamente interpretados, a corte realça a necessidade de uma guerra contra o país rival, e nas ponderações entre o sim e o não, a autoridade do jovem rei tem que se mostrar firme, sob pena de perder o respeito dos seus súditos. E assim a coisa se dá. Uma frota atravessa o canal da Mancha e aporta em solo francês.

Embora o enredo tenda para a parte britânica, é bastante subtil a não demonização da outra parte, embora seja menos mostrada, afinal, o foco é dado ao jovem monarca. Administrando impulsos juvenis e rebeldes de bondade, mas tendo que mostrar firmeza, combate um castelo abandonado que afinal se rende, e as clássicas cenas de batalhas campais são portentosas. Costumo afirmar que estas cenas são um descanso para o espectador. Descanso como, poderão perguntar-me? Não seria insensibilidade da sua parte sugerir isso? Explico: é que naquele junta junta de soldados a matarem-se sem dó nem piedade, quando os sangues se misturam, é mister entendermos que não dá para perceber logo de caras quem está a ganhar ou a perder.
Claro que na guerra perdem todos, mas o sangue esguichado na tela quase nos dá tempo para comer as pipocas e beber um refrigerante. Acertos daqui, rendição ali, o certo é que a estratégia inglesa vence aquela batalha e no trato da rendição e extensão, é oferecida a princesa francesa a Henrique, numa tentativa feliz de união dos reinos e é aqui que se descortina uma temática que perpassa todas as nossas relações: as mentiras e as fofocas.
O ponto chave do filme é saber que não houvera provocação alguma, que tudo havia sido ardilosamente planeado por parte de membros corruptos da corte inglesa e o jovem rei fica a saber que as coisas, definitivamente, não são o que aparentam ser.
Um filme maravilhoso, tenso, denso, com cenários grandiloquentes e com uma fotografia ímpar, lições que ficam de que não nos devemos indispor com quem quer que seja, quando as histórias se baseiam em mentiras vãs e jogos de interesses. Uma verdadeira aula de cinema e literatura, uma grande lição de vida!
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