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Porque A Arte Somos Nós

É impossível falar dos The Stooges sem me lembrar do ano de 2011, onde, no Festival Optimus Alive (agora NOS Alive), subiram ao palco a banda liderada por Iggy Pop. À altura o grupo era composto por James Williamson na guitarra, Scott Asheton na bateria, Mike Watt no baixo, Steve Mackay no saxofone e, obviamente, Iggy Pop era o vocalista. Admito que a atração principal à altura eram os Foo Fighters, e o meu conhecimento dos Stooges era praticamente nulo – conhecia apenas o carisma do seu frontman. A surpresa não tardou a acontecer: energia, velocidade, interação, riffs icónicos, saltos… Lembro-me de chegar ao fim e pensar “Ora, este podia muito bem ser o último concerto da noite.”

Não era por acaso. Muitos anos depois, e muita música depois, vejo-me agarrado à discografia dos The Stooges, muito motivado pelo documentário “Gimme Danger”, excecionalmente dirigido por Jim Jarmusch. Não é novidade a inclinação deste cineasta para a contracultura, os marginais e os ditos “fantasmas” da sociedade capitalista. A verdade é que os The Stooges representavam isso mesmo, não só nas décadas de 1960 e 1970, como também no presente. O único membro da formação original, vivo, é James Newell Osterberg (Iggy Pop), tendo este último conseguido uma carreira a solo bem-sucedida, sem nunca esquecer a sua essência.

“Gimme Danger” introduz-nos precisamente a essa fase inicial da banda: as origens, um baterista que mal sabia tocar o instrumento, um guitarrista que se fartou da faculdade, um baixista que era realmente bom, e um vocalista que deixou a caravana dos pais para fazer o que mais gostava – música. Ao início, a banda não sabia muito bem que rumo tomar, tendo começado com covers de outros artistas. Era o cenário clássico: tocar nuns bares de forma a poder sobreviver numa casa em conjunto. Tal como descreve Iggy Pop: “Nós dividíamos tudo. Nós éramos verdadeiros comunistas.

The Stooges: Dave Alexander, Scott Asheton, Iggy Pop e Ron Asheton

Essa união fez crescer a banda a olhos vistos, quanto mais não seja, pela sua vanguarda e experimentação. Estes foram influenciados por artistas como The Velvet Underground (em especial John Cale, que viria a produzir o primeiro álbum da banda), Sun Ra, MC5, The Mothers Of Invention, entre outros, e o próprio facto de tocarem num festival organizado na faculdade de Ann Arbor, Michigan, rotulou os Stooges de “alternativos”.

Realmente a banda não se encaixava na moda hippie daqueles dias, e as suas atuações ao vivo “puras e duras” fizeram deste um espetáculo a não perder. Os concertos tornaram-se imprevisíveis, muito por culpa de Iggy Pop, o homem em tronco nu que se inspirou nas representações dos faraós nos filmes épicos, e que imitava posturas de macacos, de forma a transparecer o modo como a música o afetava. Segundo Iggy, umas das grandes lições que este aprendeu com os veteranos artistas de blues, foi para que sempre espelhe “o que está a sentir”. Esse objetivo foi conseguido.

Tal como nos é demonstrado ao longo do documentário, e aqui nota muito positiva para todo o trabalho de pesquisa e montagem, os concertos dos Stooges eram um evento épico, pois apesar da sua simplicidade em palco, a energia do seu vocalista não desiludia. Com saltos para o meio do público – um desses resultou nuns dentes a menos – incitações e palavras de ordem, “Gimme Danger” vai buscar ao arquivo gravações deliciosas e cruas da banda no seu melhor.

Num desses concertos, observamos Iggy suspenso sobre o público (uma fotografia fantástica), num plano que fica para a eternidade, ao passo que hoje em dia seria impossível replicar este momento, pois toda a gente estaria mais preocupada em segurar o telemóvel ao invés de um dos maiores entertainers do mundo da música. Jarmusch dá sempre aso ao comentário por parte dos protagonistas, sendo Pop quem mais contribui para a narrativa. O baterista Scott Asheton e o seu irmão Ron Asheton são duas peças igualmente importantes, ficando imortalizado com uma aura especial – também pela sua partida precoce em 1975 – o baixista Dave Alexander.

Este último é um membro do clube dos 27, tendo gravado dois álbuns de originais com os Stooges: “The Stooges” (1969) e “Fun House” (1970). Alexander foi despedido devido aos problemas com o álcool e com as drogas, um obstáculo presente em muitos dos artistas ao longo da sua carreira. Tal como é contado na história, os Stooges também caíram nesse fosso, afetando assim a criatividade da banda. Após este conjunto de eventos, a banda separou-se, tendo voltado mais tarde ao ativo com James Williamson na guitarra para criar “sem querer” o álbum mais mediático do grupo: “Raw Power” (1973). Com David Bowie na mesa de mistura, este último foi sinónimo de liberdade e espontaneidade.

Algo muito importante nesta vertente cinematográfica, para além do saber ler os factos, é nunca perder o seu verdadeiro significado. Jim Jarmusch sabe sempre contextualizar os aspetos sociais e políticos vividos à altura, algo indissociável na evolução da arte nos seus diferentes espectros. Os Stooges foram sempre uma força de oposição, um modo de vida, uma postura na comunidade. Muitos atribuem-lhes o título de punk, mas na verdade, era algo muito mais “próprio“. Contudo, não podemos deixar de notar que muitas (muitas mesmo!) bandas e artistas foram influenciados pela música destes norte-americanos do Michigan.

A formação responsável por “Raw Power”: James Williamson na guitarra elétrica e Ron Asheton a “saltar” para o baixo

Eu não quero pertencer ao glam. Eu não quero pertencer ao hip-hop. Eu não quero pertencer a nada. Eu quero apenas ser.” – Iggy Pop

“Gimme Danger” é uma homenagem merecida e eterna a uma das bandas mais influentes da história. Os Stooges mostraram ao mundo que menos é mais, e por vezes o verdadeiro reconhecimento demora o seu tempo. Olhando para trás, diria que muito pouco ficou de fora. Sendo Iggy Pop o principal entrevistado nesta longa-metragem, conseguimos penetrar um pouco na vida pessoal deste artista icónico, pois essa é outra grande conquista de Jarmusch: a proximidade com o ser humano, com as suas derrotas e conquistas. Uma história de sobreviventes recheada de boa música.

Reservo este último parágrafo para revelações musicais imperdíveis: a linha de baixo de 1969, a simplicidade da letra de No Fun, a loucura de TV Eye, o “Maceo Parker em ácidos” de Fun House, o excesso de velocidade de Search And Destroy, enfim, é ver (e ouvir, bem alto) para crer.

“Gimme Danger” será hoje exibido às 19:00 no Auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro, Braga, uma organização do Lucky Star – Cineclube de Braga. Este é o último filme do ciclo Jim Jarmusch. Em breve partilharemos, no nosso Facebook, a programação do próximo mês, estejam atentos!

Rating: 4 out of 4.

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