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Porque A Arte Somos Nós

“Paterson” (2016) conta a história de um pacato motorista de autocarro, Paterson (Adam Driver), que gosta de escrever poesia, mas, na verdade, sem a pretensão de ser um grande poeta. Ele vive com a namorada, Laura (Golshifteh Farahani), e com o cão, Marvin. Laura é uma jovem que parece não saber muito bem o que quer da vida, embora tenha pretensões artísticas, culinárias e até musicais.

O filme é escrito e realizado por Jim Jarmusch, sendo um retrato profundo da rotina e da melancolia. Mais concretamente, a narrativa foca-se numa semana na vida do casal. A forma como se dá a passagem do tempo decorre de forma bastante harmoniosa e com transições altamente metafóricas e devidamente contextualizadas. Desta forma, do ponto de vista técnico, partindo sempre cada dia da intimidade do casal, esta produção apresenta uma estrutura altamente emblemática e repleta de personalidade, algo que é bem aprofundado através da sua fotografia inesquecível e de uma banda sonora objetivamente sui generis.

O propósito da poesia de Paterson vem, precisamente, embelezar um ambiente completamente ordinário e repetitivo na sua vida. Consequentemente, a forma como é apresentado o seu trabalho escrito decorre de uma maneira muito inteligente, ponderada e especial, algo que contrasta com a sua vida no geral, monótona, banal e bastante mecânica. Assim, podemos admitir que a poesia de Paterson é um escape que este cria para fugir à sua realidade mais limitada, como também serve para nos dar o outro lado da mente, coração e personalidade do personagem.

Laura (Golshifteh Farahani) e Paterson (Adam Driver)

Algo que deve ser enaltecido com a devida profundidade tem que ver com a mestria de Jarmusch, nomeadamente no seu trabalho temático em transformar e reinventar este clima da banalidade de forma tão talentosa, subjugando algo ordinário a uma dimensão de tensão e ação particularmente interessantes e ricas. Neste sentido, o argumento deste filme consegue ser, do início ao fim, além de altamente dinâmico e criativo, muito realista, intimista e surpreendente.

Por outro lado, Adam Driver aparece aqui com um papel que exigiu bastante a nível intelectual e humano, tendo este conseguido imortalizar o seu talento de representação numa personagem que vai dizendo muito nas entrelinhas. Uma atuação, portanto, altamente digna de registo. Sendo que, aparentemente inexpressivo, Paterson, além de dar nome à cidade em que se passa a história, estando subjugado a viver o mesmo dia repetidamente, tem na (sua) arte uma possibilidade (feliz) de escape, algo bastante metafórico para demonstrar a dificuldade que temos, muitas vezes, em encontrar um real sentido para a nossa existência.

“Paterson” (2016)

Outro ponto que merece ser destacado tem que ver com a dinâmica do relacionamento do próprio casal. Enquanto Paterson é uma pessoa bastante calma, reservada e fechada no seu mundo, Laura está sempre em busca de algo, seja um novo projeto, um curso, ou simplesmente algo que a faça escapar de um dia-a-dia mais banal. Toda essa diferença é imortalizada na casa dos dois, repleta de detalhes a preto e branco, como que se cada um dos nossos protagonistas fizesse parte de um mundo separado, mas que, na verdade, funciona muito bem junto. Temos, portanto, uma bonita metáfora para a vida e dinâmica de um casal, cujos pequenos detalhes estão esmiuçados de forma altamente prolífica neste filme.

Por fim, importa imortalizar esta ideia: Paterson não tem um smartphone por opção, não reclama da sua vida em conversas casuais, nem acha o seu trabalho desagradável; ele é apenas um homem que vive a sua vida de forma simples – e ama isso. Ao contrário de muitas pessoas, ele apenas quer abraçar a hipótese de acordar todos os dias e viver de forma tranquila e harmoniosa. E a verdade é que existe uma beleza inolvidável nisso.

Bons filmes.

“Paterson” foi exibido no passado dia 18 de maio (terça-feira) no Auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro, Braga, uma organização do Lucky Star – Cineclube de Braga. Amanhã, à mesma hora e no mesmo local, será exibido o último filme do ciclo Jim Jarmusch: “Gimme Danger” (2016).

Tiago Ferreira

Rating: 4 out of 4.

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