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O filme “Tout simplement noir”, “Simplesmente Negro” em português, é realizado por Jean-Pascal Zadi e John Waxxx, produzido por Sidonie Dumas, conta com os atores Jean-Pascal Zadi, Fary, Éric Judor, Caroline Anglade, entre outros, e está disponível na Netflix Brasil. Uma comédia em forma de documentário, em uma hora e meia somos apresentados ao ator malsucedido Jean-Pascal Zadi, que com os seus dentões para fora e negro, milita na causa de direitos aos negros e tenta organizar uma grande marcha no dia 27 de abril.

A história tem muitas passagens interessantes, como na altura em que ele está a gravar um vídeo para arregimentar os irmãos e chega a sua esposa, branca tal uma norueguesa, perguntando se ele havia tirado a roupa da máquina para secar. Nestes tempos do audiovisual, onde qualquer um munido de um smartphone consegue produzir conteúdo razoável, é notório a colagem dos vídeos, tudo isso perfazendo o filme como um todo, espécie de mini-câmaras dentro da câmara.

A figura de Jean-Pascal por si só é chamativa. Apelativo de forma a arregimentar parceiros, vai em busca de celebridades que acrescentem algo ao projeto. Mas ocorre que não tem limites e quando os seus comentários extrapolam o tema em questão, só se mete em confusões. Com uma cantora africana que abusa do direito de requebrar os quadris com a sua avantajada bunda, Pascal comenta isso e questiona se a performance não poderia ser julgada como estereotipada. É o bastante para a artista, que tem muitos seguidores no Instagram, partir para cima dele e estapeá-lo, sendo que quando ele é posto porta fora levanta a voz para perguntar se ela ainda poderia partilhar a sua causa nas redes sociais.

Jean-Pascal Zadi em Paris

Em frente à prefeitura de Paris, tentando uma audiência com a prefeita Anne Hidalgo, é barrado e levantando a voz contra os guardas, insurge-se, levando a que estes o imobilizem e lhe deem algumas boas cacetadas. Tudo devidamente filmado, aliás, todas as suas ações são sempre registadas. Colocado no carro da polícia como se estivesse a ser transportado num navio negreiro, pelo menos a figura angariou publicidade para si.

E assim a coisa vai. Um dos encontros mais assertivos é com Fary, um negro bem-sucedido e mediático que foi chamado para estrelar um anúncio que lhe vem rendendo dissabores junto do seu público mais fiel. Fary está constantemente na esfera mediática e à porta de um estabelecimento, é admoestado por Pascal para que se junte à sua causa. No princípio, este nem reconhece o ativista, mas num programa de TV dissera acreditar muito na marcha e quando é lembrado disso, adere de pronto.

Desconfia que o arregimentador precisa de bons contatos, e nada melhor que levá-lo a uma festa para tal. Contudo, extrapola na verborragia e passa a implicar com uma jornalista negra, ao que ela afirma denominar-se de jornalista, e que não se escorava na cor da pele para aceitar benesses. Têm que ser separados, uma vez que a mulher se enfurece e tenta agredir o nosso protagonista.

Á medida que assistia ao filme, lembrei-me do meu personagem do livro “A Queda“, Chris, militante negro e gay desmiolado que vê perseguição e preconceito em tudo e não percebe assim que o seu histrionismo atrapalha mais do que favorece. Personagens caricatos assim, por mais que sejam justas as suas reivindicações, quando extrapolam muito, só nos fazem rir.

Jean-Pascal Zadi e Claudia Tagbo

Mas voltando a Jean-Pascal, o seu debate com um movimento de mulheres negras é hilariante e logo é chamado a retificar a não inclusão delas no protesto. Uma ativista apela ao facto de que muitos negros quando ficam famosos casam-se logo com uma branca, insurge-se contra esse facto, mas ao cabo ela mesma sai da mota do seu namorado (ou noivo?) branco. O ativista percebe isso e fica a refletir. Sim, acabara de assumir o compromisso de elas poderem participar. Mas é no encontro com dois cineastas que a coisa quase se transforma numa carnificina.

Lá está a câmara ligada durante uma saída para jantar entre o ator Fabrice Éboué e Lilian Thuram (sim, o mesmo jogador de futebol que levou a França à final do Campeonato do Mundo de 1998 com 2 golos contra a Croácia) que faz o papel de um realizador de filmes. O nosso ativista principia um debate e os dois passam a criticar-se mutuamente, sendo que a coisa sai do campo das ideias e é hilário a cena em que Thuram está com um facão para decepar a cabeça do ator. Salvo pelo gongo e pelos sons de carro da polícia.

Outro caldeirão étnico dá-se no encontro na casa do árabe que deseja juntar-se à marcha, apelando para a verossimilhança entre o árabe e o negro. Pascal afirma que não, que são coisas distintas e ainda vê a discriminação antissemita a um judeu que estava presente. Somado a isso, a reunião com os manos de cor militantes que saem com ele na cabeça e o certo é que, entre confusões e mais confusões, sendo que ele parece ressentir-se de Omar Sy, por este ter sucesso e se ter deixado levar para o estrangeiro, parece crer que um negro de sucesso e visibilidade iria contra a sua conceção tosca de perseguição.

Entre solavancos, a marcha modificada para agosto até que atrai um número de pessoas, bastante reduzido, mas representativo e afinal, o que vale é mesmo a qualidade, e não a quantidade, certo? O certo é que Pascal angariou para si um contrato lucrativo, assinando com Fary o filme “O Dentista Negro”, e se Pascal será o ator principal, fica a dica para o género de comédia, a ver-se os seus exacerbados dentes.

Um filme reflexivo, engraçado, e que discute esse caldo étnico que existe em França como um todo e em Paris mais especificamente.

Marcelo Pereira Rodrigues

Rating: 3 out of 4.

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