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Porque A Arte Somos Nós

Consciente ou não do facto, os primeiros minutos de qualquer filme estabelecem um contrato tácito entre a realização e a audiência. Aquilo que pode ser interpretado como um entendimento mútuo do ritmo que vai pautar a obra, apesar das inevitáveis oscilações. A título de exemplo, os primeiros 10 minutos de “Diamante Bruto” são fonte de indícios da ansiedade que vai contaminar grande parte da narrativa. Na mesma perspetiva, os instantes iniciais de “Nobody”, em português “Ninguém“, realizado pelo russo Ilya Naishuller, não deixam margem para dúvidas. A montagem frenética contrasta com o quotidiano mundano do protagonista: um sinal claro do desassossego que se avizinha.

Bob Odenkirk é Hutch Mansell. Um homem comum que existe mais do que vive. Trabalha como contabilista numa pequena fábrica, onde é maltratado pelo gerente, Eddie (Michael Ironside), e o seu filho, Charlie (Billy MacLellan). Em casa, a interação com a sua esposa, Becca (Connie Nielsen), não vai além de um seco “esqueceste-te de deitar o lixo fora“; entre os seus dois filhos, apenas Abby (Paisley Cadorath), a mais pequena, parece ter algum carinho pela figura paternal.

Num momento disruptivo, dois ladrões de arma em punho assaltam o lar. Perante o perigo iminente, Hutch preparasse para desferir um golpe num dos assaltantes. Até que, num segundo de aparente fraqueza, os seus músculos congelam. As consequências são mais psicológicas do que físicas, mas quando descobre que a bracelete preferida da filha desapareceu, é disparado um gatilho oculto. Hutch vai confiantemente à procura dos malfeitores, sugerindo que as suas habilidades vão para além do mero cálculo matemático.

Bob Odenkirk (Hutch Mansell)

Com diferenças mais ou menos pontuais, os ecos da sinopse vibram com familiaridade. Escrito por Derek Kolstad, o responsável pelo texto da prezada trilogia de gun-fu, “John Wick” (2014 – 2019), as semelhanças deste com o filme de Keanu Reeves começam logo no poster. Trocam-se as pistolas por punhos e está implementada a referência. Uma alusão desavergonhada que estabelece “Nobody” como uma variação do cinema de ação de “John Wick”.

Um caldo de violência e pancadaria que acrescenta absurdismo a uma fórmula que aposta no aperfeiçoamento coreográfico das sequências mais sangrentas. A verossimilhança das lutas é consequência do trabalho de câmara, design de som e interpretações convincentes. Torna-se impossível não gesticular a face aquando alguns impactos. É aqui que sabemos que a suspensão da descrença foi bem conseguida e que o realizador está a cumprir o propósito de transportar a audiência para a ação.

“Nobody” (2021)

Por entre a brutalidade, há ainda tempo para plantar piadas visuais que condizem em pleno com o seu tom descarado. Apesar de não haver abundância de exposição, a pouca que existe é oferecida com compensação humorística. Nestes pormenores graciosos, é possível sentir o carinho que os criativos têm pelo material. Além do mais, todos os elementos para os quais a história chama a atenção – por mais inócuos que sejam, como uma lasanha – são relevantes de alguma forma nas cenas: o princípio da Arma de Chekhov executado corretamente.

A história é pouco mais do que esquelética e as suas características derivativas são irrefutáveis. Contudo, entretém do início ao fim e tem a audácia de oferecer qualidade sem se levar muito a sério. O antagonista que alimenta o drama é um psicopata russo (Alexey Serebryakov) que tem poder de fogo suficiente para patrulhar um pequeno país. O que por si só não podia ser mais cliché. Mas pouco interessa quando o envolvimento está ao rubro. É um grande trabalho de atuação por parte de Bob Odenkirk, que não vacila em entregar a fisicalidade e postura exigida, num filme que cumpre a missão última do escapismo.

Bernardo Freire

Rating: 3 out of 4.

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2 thoughts on ““Nobody”: Escapismo puro e duro

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