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“Mommy” (2014), traduzido para o português “Mamã“, conta a história de Diane (Anne Dorval), recém viúva que luta para criar o seu filho, Steve (Antoine Olivier Pilon), um adolescente com transtorno de défice de atenção. O jovem tem um temperamento bastante imprevisível, de tal forma que, em certas ocasiões, pode tornar-se muito violento. Apesar disso, Steve conta com o amor da sua excêntrica mãe e com o carinho da sua nova e misteriosa vizinha, Kyla (Suzanne Clément). O filme é escrito e realizado por Xavier Dolan.

Esta produção é uma lufada de ar fresco, em primeiro lugar, daquilo que é uma relação humana repleta de profundidade, emoção, sentimentalismo e riqueza contemplativa. Depois, a abordagem que é feita relativamente ao vínculo mãe-filho, e vice-versa, é aqui retratado com uma mestria argumentativa verdadeiramente sublime.

A juntar isso ao seu brilhantismo técnico, no que toca à realização de Dolan, “Mommy” imortaliza cinematograficamente um marco da perspetiva. O filme não acontece na dimensão de ecrã convencional, mas sim numa mais reduzida. De certa forma, isto envolve ainda mais o espectador, porque o obriga a absorver a obra, além de uma forma diferente, de uma maneira mais intimista. Além disso, serve também de metáfora para aquilo que podia ser perfeitamente um filme na primeira pessoa, como se o espectador estivesse verdadeiramente lá, onde a ação se desenrola; é esse o efeito que consegue ser criado.

Anne Dorval (Diane)

A sua banda sonora é encantadora e muitas vezes extremamente difícil de digerir, uma vez que o próprio filme não passa paninhos quentes quando tem de se elevar dramaticamente; a componente sonora consegue estar a par e passo nesses momentos de maior tensão cinematográfica, algo também adensado com a sua fotografia muitas vezes arrepiante e arrebatadora. Realçar a profundidade do subtexto nesta obra, capaz de nos transportar para outra dimensão sensorial.

Desse ponto de vista, este filme é uma altíssima recomendação, uma vez que o pós-experiência será repleto, certamente, de reflexão e de acréscimo emocional. É, nesse prisma, um trabalho com pouquíssimas falhas do ponto de vista mais global, sobretudo porque qualquer tipo de possível momento mais monótono e genérico da sua narrativa é inequivocamente compensado com uma vertente extremamente emocional e humana – inter e intra-pessoal.

Vemos em “Mommy” também as dificuldades em lidar com um filho com problemas profundos de temperamento, o que num primeiro momento é imortalizado com o facto de Steve ter sido expulso de um centro psiquiátrico, após um conflito de força maior, e portanto a missão de Diane em, de certa forma, reeducar Steve é tão árdua como a sua dor em ver o filho num caminho desviante, muito por culpa da sua condição. 

“Mommy” (2014)

Por outro lado, esta produção não fica isenta de crítica. O filme consegue introduzir de forma eficaz a personagem de Kyla, responsável por ajudar Steve nas suas aulas em casa. Acaba por desenvolver uma relação de grande profundidade com Diane, ainda que esta seja uma pessoa, por vezes, um pouco fria, ao invés de Kyla, muito simpática e empática. No entanto, parece que “Mommy”, sobretudo no segundo ato, não se consegue reinventar necessariamente quando Steve não aparece no ecrã. Naturalmente que a personagem é central à história, mas é passível de analisar o filme como, por vezes, demasiado dependente da irreverência da sua personalidade.

Ainda assim, é um desconto ligeiro que é dada a esta possível falha, precisamente, uma vez mais, porque a obra tem uma dimensão emocional que entra diretamente para um grupo bastante restrito de filmes altamente emocionais e também ele altamente reflexivo, por isso mesmo.

Quanto às interpretações, Anne Dorval faz um papel bastante sólido e convincente, conseguindo imortalizar uma pessoa cujo amor e sentimento de pertença para com o seu filho ultrapassa qualquer tipo de barreira. Por seu turno, Antoine Olivier Pilon constrói uma das melhores interpretações neste tipo de contexto, num filme virado para uma relação familiar em específico, precisamente porque consegue introduzir maneirismos e uma autenticidade dramática verdadeiramente inesquecível.

Inesquecível é também, por tudo isto, este filme. “Mommy” é um retrato brutal do que deve ser uma relação humana: contra tudo e contra todos, mas acima de tudo repleta de maturidade, sinceridade e emoção.

Tiago Ferreira

Rating: 3.5 out of 4.

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