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O livro “A Terrível Intimidade de Maxwell Sim” (Editora Record, 413 p.), do escritor britânico nascido em 1961 em Birmingham, Jonathan Coe, foi classificado pelo The Observer como “A parábola perfeita sobre a vida moderna” e pelo The Independent como “Uma história sobre o sentimento tão comum de não termos controlo sobre a nossa história”. O romance narra a vida insossa de Maxwell, que aos 48 anos é abandonado pela mulher, Caroline, e pela filha de 12 anos, Lucy. Ele está afastado do trabalho, no departamento de pós-vendas numa loja de conveniências e viaja para Sidney, Austrália, para reencontrar o seu pai, o sisudo e distante bibliotecário que tinha como hobby escrever poemas.

Viagem de poucos dias, durante o voo de volta uma fatalidade se irá abater sobre um workaholic que se sentara ao seu lado e, na outra perna da viagem, conversará com uma jovem, Poppy, que tem um emprego para lá de insólito: trabalha para uma importante empresa de relacionamentos que vende gravações de aeroportos para que maridos e esposas infiéis possam ter álibis para uma “pulada de cerca”, na hora de atenderem os seus telefones. Aí basta ligar o gravador e tem-se o álibi perfeito.

A jovem conversa sobre o tio Chris, e indica uma carta que este lhe escreveu (ele tinha por hábito enviar-lhe cartas, às quais ela digitalizava e guardava no computador) contando a história de um navegador, Donald Crowhurst, que ousara empreender uma jornada competitiva à volta do mundo no seu trimarã. Os meses de solidão no oceano e o medo do fracasso fizeram-no enlouquecer, juntando o facto da vaidade não lhe permitir admitir o fracasso e o embuste que vinha a realizar, tentando cortar caminho e burlar as regras da competição.

O escritor britânico Jonathan Coe

Já nas primeiras páginas, percebemos o protagonista sempre a tentar estabelecer diálogos, por mais disparatados que fossem. Percebe-se uma falta de habilidade para abordar desconhecidos e, no mundo de hoje onde é bastante fácil fazer conexões virtuais, as pessoais são complicadas e só por grande acaso se conhece novos amigos. O certo é que Max irá descolar um jantar na casa de Poppy, mas é hilário a parte onde tenta beijá-la, ao que ela esclarece não estar a fim e que estava a tentar aproximá-lo da sua mãe. Max pega o último comboio e afunda-se na solidão.

Contudo, um amigo tem uma proposta irrecusável e o nosso herói vê nisso uma possibilidade de sair da fossa. Uma empresa de escovas de dentes ecologicamente correta está empreendendo tournées pelos quatro cantos de Inglaterra numa campanha de divulgação e marketing. Este indica Max como um dos postulantes e, de um momento para o outro, Max dará uma guinada e conduzirá um imponente automóvel, munido de uma câmara fotográfica e claro, amostras de escovas de dentes. E é aí que o surreal acontece: apaixona-se pela voz do computador de bordo e inclusive lhe dá um nome, Emma.

Aqui lembrei-me do filme “Uma História de Amor” (2013), onde o ator Joaquin Phoenix se apaixona pela voz de Scarlett Johansson. No trajeto, irá se permitir alguns reencontros, sendo o com a sua ex-esposa e filha o mais deprimente. No jantar com Lucy, acontece a cena corriqueira de comerem divididos pelos telemóveis, não deixando de checkar as mensagens de dois em dois minutos. Mas é no apartamento do pai, onde fora solicitado a ir buscar uma pasta azul com escritos do velho, que as revelações serão feitas e Max compreenderá que foi um filho não desejado.

Joaquin Phoenix (Theodore) a interagir com a voz do computador, Samantha (Scarlett Johansson)

E num conto memorialístico que lê escrito pelo pai, soma-se a isso o facto de descobrir que este último é gay, enrustido, e do seu amigo inconsequente Roger, que trabalhava para o mercado de ações na década de 1960, mas que tinha ideias relativas a forças ocultas, magos e bruxas.

Surge a oportunidade de um reencontro com uma amiga de infância, Alison, facilitado pelos pais dela, que pressentem que seria algo bom. Cinquentona e uma charmosa mulher, Max inibe-se mesmo sabendo que o filho da puta do marido dela a estava a trair, coincidentemente fazendo uma ligação telefónica para a esposa tendo de fundo um informe de um aeroporto qualquer. Mas um segredo inibidor do seu pai com relação a Alison só o deixa mais confuso, mas o certo é que ainda haverá surpresas.

De forma que não foi nada demais saber que Max se descontrolou, tendo sido encontrado nu dentro de um automóvel possante e com o bagageiro cheio de escovas de dentes. Somado à depressão, o stress e mais uma vez, veremos Max tentando reconstruir-se, viajando à Austrália numa tentativa de reaproximação com o seu genitor e, como loucura pouca é bobagem, irá admoestar uma chinesa com a sua filha, personagem que havia aparecido na primeira cena, e o desfecho é surpreendente, sendo que o autor recorre a um procedimento a que eu mesmo recorri na finalização do meu romance “Um Café com Sartre“, lançado em 2006. Curiosos? Sugiro lerem ambos os livros.

O livro demostrou-me muita sensibilidade e o vazio decorrente de algumas crises de meia-idade, quando sonhos são desfeitos e nos encontramos a sós com alguns dos nossos dilemas, tentando jogar cordas a todos na vã tentativa de sairmos do buraco no qual nos encontramos. Muitos poderão julgar o protagonista como um “babacão”, talvez o seja, mas a verdade é dolorosa e fria: todos nós, quando tentamos ser humanos neste mundo de máquinas, não somos tolos muitas das vezes?

O livro prende-nos a atenção e li-o na média de 50 páginas diárias. Como conta com uma boa diagramação e espaçamento, foi um deleite aventurar-me pela história de Maxwell Sim e aprender bastante com ela. Inserido no romance, dois contos muito bem desenvolvidos.

Marcelo Pereira Rodrigues

Rating: 3 out of 4.

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