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Capítulo VIII
Descia rapidamente as escadas. A aflição por novas notícias estava pressionando cada um de seus músculos. Esquecera de tudo que passara naquela noite, até mesmo de seu tempo com Tales. Depois que se despediu dele, ficou um tempo rondando o baile à procura de notícias, ainda um pouco embriagada por uma emoção satisfatória. Mas tudo mudou quando viu uma pequena mão, em um canto bem específico, acenar para ela e apontar para a porta. Sua mente estalou no mesmo segundo. Aquele era o sinal que estava esperando a noite toda.
Com a respiração ofegante e coração a mil, saiu às pressas do castelo, de uma maneira que não chamaria muita atenção. Sua cabeça estava acelerada, desejando mais do que tudo encontrar a pequena princesinha e saber como tinha ido em sua primeira missão. A verdade era que o remorso a pegou de jeito. Morreu de medo de Bella ter sido pega e possivelmente punida. Mas, quando chegou no bosque, a encontrou com uma face de puro prazer, anestesiada pela adrenalina que provavelmente corria em seu corpo.
— Cíntia! — soltou um pequeno gritinho ao ver a general, não contendo sua euforia e correndo para lhe dar um grande abraço. A guerreira, agora mais afastada de todos, não se importava de ser chamada pelo seu verdadeiro nome. — Não faz ideia do quão animada estou. Nunca fiz nada disso antes! Foi empolgante, extasiante, e deu muito frio na barriga. E eu realizei tudo do jeitinho que mandou…
— Calma, calma pequenina! — ao ver a menina tão alegre, a tensão começou a esvair. Não conseguiu conter um enorme sorriso de satisfação. Afastou delicadamente a princesinha, que dava pequenos pulinhos de entusiasmo. Precisava conversar olhando para o seu rosto. Mas, só de estar ali, vendo-a toda animada, com seus grandes olhos brilhando, já pôde tirar suas primeiras conclusões. “Aparentemente foi tudo muito bem”! — Tente controlar esses seus pés por que temos assuntos importantes para tratar…
— Está bem! — acatou de imediato o conselho, tentando se mostrar o mais prestativa possível. Assim que percebeu que a garota já estava mais tranquila, Cíntia voltou às suas principais preocupações:
— Como foi a missão? — ajoelhou, para que ficassem na mesma altura. — Conseguiu achar a passagem e a escadaria que levava até o quadro?
— Achei sim! — começou a fazer seu relatório, tentando manter a postura, sem sucesso. — Foi muito fácil chegar lá. Acabou que a cozinha estava vazia, assim como você havia previsto. Estava exatamente atrás do armário de madeira maciça. Me esgueirei pela beirada e entrei na passagem…
— E alguém te viu? — perguntou com muita seriedade. Esta era sua maior preocupação.
— Não, ninguém me viu. — falou com segurança, o que fez com que Cíntia risse e soltasse um suspiro de alívio.
— Encontrou algum guarda pelo caminho? E servos, tinha algum?
— Só um. — Fez o número com o dedo. — Quando eu estava voltando para o baile, olhei em volta, esperei uns minutinhos e, realmente, acabou aparecendo um guarda vasculhando a cozinha. Claro, fiquei escondida atrás do armário até que ele fosse embora, assim como você havia me instruído. Já servos não havia nenhum. Provavelmente estavam todos servindo no jantar.
— Não tem noção o quanto estou feliz por ouvir isso. — Só de saber que Bella tinha se saído bem, já sentia que a noite fora um sucesso, tendo conseguido alguma informação ou não. — E então, me conta: — dizia de maneira mais confiante, como se tivessem tirado um enorme peso de suas costas. — Conseguiu chegar à sala dos relatórios?
— Na verdade não. — Fez um beiço com os lábios e olhou para o chão. Estava com muito medo de contar essa parte. — Desculpe-me Cíntia, mas não consegui entrar na sala, muito menos consegui sair de trás do quadro. Fiquei um tempão esperando os guardas saírem da posição, mas eles estavam fixos ali. Desculpa ter te dececionado!
— Ei! — a general levantou o rosto da garota com uma de suas mãos. Só de Bella ter conseguido a façanha que fez, a general sabia que era uma garota especial. — Não me dececionou, muito pelo contrário. Mostrou que é uma garota forte, esperta e valente, e que tem uma vida espetacular pela frente. Infelizmente o rei Eliseu foi esperto em colocar guardas vigiando a sala. É pesado demais se cobrar por algo que não estava a seu alcance. No entanto, pode apostar que me ajudou muito. E, fique tranquila, acharei outro jeito de consegui essas informações…
— Então você vai me requisitar em outras missões? — voltou-se com os olhos cheios de lágrimas, esperançosa.
— Sempre precisamos de mulheres como você! No momento certo eu a chamarei, pode confiar. Mas, até então, deve estudar e treinar muito. E nunca se esqueça: o primeiro lugar que precisa de nossa ajuda é nosso próprio lar. Muitas vezes a ganancia nos deixa cego, e esquecemos de ajudar as pessoas próximas a nós. Acabamos tão ávidos por expandir nossos horizontes que abandonamos o princípio mais básico para o sucesso: precisamos construir nossas bases para que elas nos sustentem no futuro. E essas bases estão localizadas em nossas origens, nosso reino e nosso povo. Por isso, atenda primeiro ao chamado de seu reino, e sei que se tornará uma grande princesa.
Bella a abraçou novamente. Só que dessa vez, Cíntia deixou que alguns minutos passassem até conseguir, finalmente, soltá-la. Por mais que as coisas, naquela noite, não tivessem saído como esperado, não queria dizer que a guerreira não colhera bons frutos. Ela havia acabado de descobrir uma garota incrível, com um coração enorme. Uma garota que ela tinha certeza que cresceria e se tornaria uma grande mulher. Não que ela não conhecesse a princesinha à sua frente. Mas, aquele momento, permitiu que a general visse um outro lado dela. Um lado esperto, amigável e verdadeiro. E isso bastava para que a noite se tornasse especial.
— Bem, ainda não acabamos. — Pontuou baixinho depois que a soltou.— Preciso que você me prometa uma coisa muito importante.
— Qualquer coisa! — o tom sério da princesa deixou a general um pouco assustada, contudo, ela recuperou com rapidez o fôlego e continuou a conversa. — Você não pode contar a ninguém nada do que aconteceu essa noite.
— Usava uma voz calma e hipnótica, tentando mostrar o quanto era importante o que estava dizendo. Por sorte, a garota, que a observava minuciosamente, entendeu muito bem o recado. — Você não pode falar que me viu, muito menos que você fez uma missão para mim. É crucial que ninguém saiba que estive aqui, ainda mais que eu tinha uma missão. Para ser bem sincera, pense apenas que a missão não existiu. No máximo você teve umas duas conversas com Laísa, e se perguntarem o assunto, fale que estávamos conversando a respeito das nobrezas dos dois reinos, e nada mais.
— Eu prometo! — colocou a mão no peito, demonstrando que estava levando tudo muito a sério.
— Você é uma garota especial, Bella. Tenho certeza que será uma grande mulher. Agora, eu preciso de outro favor. Poderia voltar à festa e fingir que nada disso aconteceu? Seus pais já devem estar preocupados com sua saída. Se possível, responda que estava no banheiro…
— Fica tranquila, duvido que eles estejam preocupados. — Balançou a mão e soltou uma pequena risada. — De qualquer jeito, vou voltar para o salão, assim que você me responder uma pergunta.
— Que pergunta? — questionou surpresa.
— Onde você estava com o príncipe Tales? — encarou-a. — Antes de procurar você, ouvi alguns comentários que vocês dois haviam sumido por um tempo. Vamos lá, me conte tudo!
— Na verdade, — gaguejava um pouco, meio sem jeito. Só de pensar naquele momento ela ficava constrangida. Se pudesse, se jogaria em algum buraco, só para não contar. No entanto, Bella estava ali, com seus olhões bem atentos a cada detalhe. E ela sabia que devia alguma explicação para a princesa, principalmente depois de tudo que ela havia feito. — Não foi nada demais. — Resolveu mentir. — Nós apenas nos afastamos dos olhares. Estávamos atrás das escadas, por isso que ninguém nos viu. Ficamos conversando um tempo, e nos separamos um pouco antes de você aparecer.
— Sei… — por mais que soubesse que era mentira, não quis pressionar. Mesmo sendo uma garota de doze anos, ela entendia que alguns momentos na vida das pessoas deveriam ficar para elas próprias. E, aparentemente, esse era uns dos momentos. — Vou indo então! Foi um prazer muito grande conhecer você. Nunca vou esquecer essa noite!
— Igualmente, pequenina! — Cíntia soltou um radiante sorriso. As duas fizeram uma pequena reverência, e, em seguida, Bella virou-se de costas e foi em direção à entrada, pulando como sempre fazia.
Novamente, a general ficou observando a princesa ao longe. No fundo, sentia que teriam uma grande jornada juntas no futuro. Porém, de forma repentina, um estranho sentimento voltou a perturbá-la. Agora que estava sozinha, lembrou-se de todas as situações ruins: o vexame, o rei Herculano… Contudo, a única coisa que a incomodava naquele momento era ela. A sombra.
“O que era aquilo, afinal? Eu a vi pela segunda vez. Será apenas uma ilusão”? Mas esses questionamentos não poderiam ser respondidos por ora. Por isso balançou a cabeça e foi em direção à carruagem. Não deixaria abater-se com isso. E, com passos determinados, resolveu finalizar, por ali, sua jornada. Porém, mal sabia que a sombra iria visitá-la novamente naquela mesma noite, em um lugar onde não conseguiria escapar. Em seus sonhos mais profundos.

Bárbara Kristina Generoso Cotta Lopes é natural de Governador Valadares, mas cresceu em Itabirito, local que ama e considera como sua cidade. Cercada por livros desde pequena, já havia se manifestado artisticamente no teatro e no balé, contudo, com a chegada de desafios, novos caminhos foram descobertos, o que fez com que entrasse de vez no mundo da literatura. Aos quinze anos começou a escrever, e aos dezoito publicou seu primeiro livro, “Os Sentimentos das Sombras”, o que a deixou apaixonada por essa área. Agora com vinte anos, possui dois livros publicados, além de grandes expectativas para o futuro.
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