O filme angolano “Ar Condicionado”, com duração de 1h12, é um drama dirigido por Fradique, com produção de Jorge Cohen, e que apresenta como principais atores José Kiteculo, Filomena Manuel e David Caracol. Na periferia de Luanda, aparelhos de ar-condicionado começam misteriosamente a desabar sobre as pessoas e o cenário apresenta-nos prédios decadentes e personagens que insistem em sonhar, a despeito de vivências tão sacrificadas. Zézinha, vivida por Filomena Manuel, inicia a sua conversa com o zelador Matacedo (interpretado por José Kiteculo) rememorando o pai e o vento advindo do mar, na sua ilha.
Fica claro aqui tratar-se de uma sofrida empregada doméstica que teve que migrar para a periferia em busca de oportunidades. Matacedo é o pacato zelador faz-tudo. Tem como hobbie partidas de damas com peças improvisadas (tampinhas de refrigerantes) e recebe a incumbência de consertar o ar condicionado do patrão de Zézinha. Ele busca o auxílio do amalucado dono de uma casa de materiais eletrónicos, Sr. Mino, e a coisa fica postergada.

A dureza da vida na periferia, quando míseros 20 centavos podem ocasionar a contenda entre dois jovens entregadores, a ponto de um desejar torcer o pescoço do outro, já nos indica as sérias dificuldades a que muitos passam em busca da sobrevivência. Um enredo pé no chão, com exceção feita apenas pelo idílico passeio de automóvel de Mino, com a sua parafernália engenhosa e pouco útil.
Mas, fechando os olhos, Matacedo consegue sonhar e passear sentindo o vento. Até a sóbria Zézinha parece querer fazer parte desta viagem, e assim o espectador se surpreende e põe-se a viajar também. Uma passagem muito bem construída, afinal, por mais miseráveis que sejam as condições de vidas, o sonho é permitido a todos nós.
O que é crueza e mistério (afinal, por que os aparelhos de ar-condicionado estão despencando?) transforma-se em poesia com os elementos do vento e da saudade, pois existe uma cena muito envolvente que nos mostra o Sol disputando o cenário com a urbe cinza. Ao cabo, quando nos créditos ficamos a saber que o prédio do cenário da película fica na periferia da capital de Angola, viajamos para outras paragens e, em modo de analogia, não seriam os mesmos lusófonos que sonham com o sítio europeu e, quando se dão conta percebem que apenas as periferias os comportam?

De um lado, a aspiração a riquezas e bens materiais, do outro a perda das referências, advindo daí a melancolia de não ter mais como companhia os elementos que compõe o sítio local, assim, a ilha pretendida foi a mesma que os expulsaram pela necessidade do ganho pecuniário.
Um filme tocante e singelo, com atuações muito seguras e pérolas tais esta, quando Zézinha especula acerca de um retorno ao seu amigo Matacedo: “O mar não sabe quem é velho!“. A obra enriquece-nos com o aprendizado de um rap visceral e mostra-nos uma celebração religiosa que, aos nossos olhos de brasileiros (em menor grau) e europeus, pode num primeiro momento significar um rito tribal. Um trecho em que a câmara fica de cabeça para baixo pode ser bem uma metáfora de que o mundo está de pernas para o ar.
Um filme surpreendente, que expressa bem a cultura de um povo. O que fica na nossa retina e coração é a narração de uma excelente história de força e resignação.
Este filme foi exibido no Porto/Post/Doc no dia 26 de Novembro (quinta-feira), às 16:00 horas, no Passos Manuel.
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