O filme, em português, “Programa da Noite” (Alemanha, 2019) da realizadora Nisha Ganatra poderia ser entendido logo desde o início como mais uma comédia bobinha e sem graça. Mas, algumas pistas já apontam para o contrário. A primeira delas é o protagonismo de Emma Thompson, a circunspecta e competente atriz britânica. Esta representa a apresentadora de talk-show Katherine Newbury, que vê na última década os níveis de audiência caírem a pique. Ela é cobrada por isso e conta com uma equipa de redatores acomodada e desmotivada. A química que aponta para a sinergia do filme aponta para a atriz americana Mindy Kaling, que se sobressai pelos seus traços indianos e foge do estereótipo de beleza glamourizada por Hollywood.
Ela trabalhava numa empresa de materiais químicos quando, acidental e oportunamente, consegue uma vaga para compor o quadro de redatores do famoso programa de Katherine. Contraste maior não poderia haver. Sendo a única mulher no grupo de redatores, Molly Patel é gozada no início por estar sempre a proferir frases de autoajuda e clichês intermináveis, contrastando com a gélida e racional patroa. Mas ela possui uma característica fundamental; como não tem muitas papas na língua, perde o verniz do bom convívio e aponta para o que não está a correr bem no programa.

As lições que tirei deste filme foram várias. Primeiro, de como a superficialidade tomou conta da cultura, como isso passou a ser vendido ao público como entretenimento. Como um excelente número de visualizações no YouTube pode significar sucesso hoje em dia, como na cena em que Katherine entrevista uma influenciadora que filmou o seu desmaio a partir do momento em que limpava a bunda do seu cão, que estava com diarreia. Não se pasmem pela banalidade da cena narrada no filme, pasmem-se com os exemplos que não param de pipocar por aí neste mundo das celebridades.
Isso é muito para Katherine, que ao vivo desanca a entrevistada, que lhe devolve as injúrias chamando-a de atrasada, retrógrada e ressentida. Neste ponto sou um pouco Katherine. Molly rouba o protagonismo de Katherine, ou melhor, Mindy sobressai-se a Emma, mais por conta da narrativa. Continuando com as suas frases motivacionais e decorando o seu escritório com mensagens auto afirmativas, vai-se enredando em affairs com dois dos seus colegas e os encontros são engraçados e interessantes. Katherine vive um drama pessoal ao ter um caso amoroso revelado e é só isso que faltava para completar o seu inferno astral: perderá o esposo, o programa e sabe-se lá mais o quê.

Tendo assistido a este filme, olhei para dentro o tempo inteiro. Quem sabe nós escritores do Barrete, em nome da audiência, não passamos a narrar crónicas de uma youtuber que choca um ovo? Ou quem sabe poderíamos investigar os bastidores de um músico romeno que morreu ao vivo, pois estava a conduzir um automóvel ao mesmo tempo que fazia a sua live, e não se deu conta de que uma composição ferroviária vinha à toda? Enfim, não preciso elencar mais exemplos acerca da imbecilidade e da falta de cultura dos nossos tempos. Seremos a resistência até quando? Quando capitularemos?
O filme mostra muito dos bastidores de um programa, das intrigas entre os funcionários e de como alguns apresentadores se sentem tão superiores que não conseguem decorar os nomes dos seus subordinados, chamando-os por números (e olhem que não são muitos). Uma comédia que na verdade é um convite à reflexão nestes tempos em que a idiotia parece ter feito um pacto com a obscuridade e com a intolerância.
Portanto, sem mais demoras, assistam ao filme.
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