OBarrete

Porque A Arte Somos Nós

Entre 1996 e 2001 o Afeganistão esteve sob o domínio do regime totalitário dos talibãs. O resultado foram anos de profunda miséria ao nível mais elementar dos direitos humanos: não havia água canalizada, a eletricidade e os telefones eram escassos, carência de comida e de habitação segura, para não falar da total privação de cultura. Para as mulheres era especialmente penoso, pois qualquer transgressão consentia a pena de morte em praça pública.

São estes os temas reais e depressivos da animação francesa “Les hirondelles de Kaboul”, corealizada pela estreante Eléa Gobbé-MévellecZabou Breitman. Adaptada do romance da autora Yasmina Khadra com o mesmo nome, a narrativa decorre no verão de 1998 em Kabul, Afeganistão. Onde dois casais lidam com as circunstâncias de formas e ânimos opostos. O historiador Mohsen (voz de Swann Arlaud) e a artista Zunaira (Zita Hanrot) são jovens e estão apaixonados.

Movem-se na esperança de que um dia poderão prosseguir com as suas vidas no país que tanto gostam. Em contraposição está o guarda prisional Atiq (Simon Abkarian) e a sua mulher efémera Mussarat (Hiam Abbass), que vivem profundamente afetados pelos horrores que constatam numa base diária. Ele formou um coração de pedra e ela está incapaz de cumprir com as lides da casa.

“Les hirondelles de Kaboul”

Depois de “A Ganha-Pão” (2017) explorar com imenso mérito temas semelhantes, o género animado parece ser o ideal para retratar atrocidades que em ação real tornar-se-iam quase insuportáveis. É possível almofadar um apedrejamento de uma mulher até à morte quando esta é composta por traços e aguarelas em formato 2D. A substância do horror permanece, mas o efeito do choque é mitigado. Ao longo do filme decorrem breves momentos físicos como este, mas o propósito principal da narrativa tem valores mais psicológicos. Como o ato involuntário de participar no apedrejamento sem refletir, ou o que fazer diante uma prisioneira condenada ao decesso, sabendo que em si reside o poder de a libertar.

No seu núcleo, “Les hirondelles de Kaboul” é uma história sobre a ânsia de viver e não apenas sobreviver. É sobre tomar as decisões certas quando as circunstâncias são erradas. Tem compaixão pelas mulheres que recebiam um tratamento pior que animais mas não esquece também o sofrimento masculino, na forma de constante desassossego e exaustão.

Em suma, uma crise humanitária que o filme esquece por breves momentos em que mostra um casal de mãos dadas à frente de um cinema, para logo a seguir reformar o mesmo edifício no presente – em ruínas. Nesse aspeto, acaba também por ser um conto assombrado, mediante o sentimento irrecuperável da memória de tempos risonhos. Não é, contudo, uma experiência fatalista, algo que o argumento faz questão de pontuar antes do rolar dos créditos.

“Les hirondelles de Kaboul”

Em comparação com o filme referido anteriormente, a obra em análise peca por não ter o fator “murro no estômago”, assim como certas cenas estão demasiado explicadas e menos vividas e mostradas. Em bom grado, a elegância e atenção ao pormenor de cada imagem, em forte contraste com a matéria reproduzida, constrói com o auxílio de um enredo fluído uma peça de cinema estimável e sensível. É uma animação com traços adultos que recorda o valor da liberdade e incentiva a luta incessante pela mesma através da educação e princípios morais elevados.

Bernardo Freire

Rating: 3 out of 4.

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