Desde que avançamos no nosso processo de investigação epistemológica, saímos da crença de que o mundo tinha apenas dois mil anos (agora 2020), uma vez que essa convenção cristã deixa em aberto várias outras ocorrências. Claro que não iremos aventar aqui à idade comprovada do Planeta, não precisamos ir tão longe. Mas se retroagirmos 2.500 anos à nossa atual convenção numérica Ocidental, iremos aportar na Grécia Clássica com os cânones do pensamento filosófico, não me canso de brincar que Sócrates, Platão e Aristóteles são “Os Três Porquinhos”.
Delimito aqui o mundo Ocidental, não desconhecendo a importância histórica das civilizações persas, egípcias, hindus, chinesas e orientais como um todo. Mas esse aparte é importante para investigarmos a palavra e a sua função e como ela se foi consolidando aos poucos a ponto de termos uma linguagem viva e o registro da escrita.
Investiguemos: mesmo Sócrates e Platão não davam muita importância ao registo de atas daquilo que diziam. A figura de Sócrates apenas perambulava e filosofava pelas ruas de Atenas e Platão evocava a memória no seu processo pedagógico de afirmação de que uma boa memória era preferível a registos de textos que poderiam, dessa forma, tornar a população mais relapsa, pois, toda vez que fossem precisar de alguma informação, bastaria ler um determinado tratado.

Mas eles esqueceram-se do legado e claro, como homens do seu tempo, participavam da oralidade com a qual se formaram civilizações e através da herança de gerações, ouviram e educaram-se com os mitos gregos, os Deuses e é bom esclarecer que a “Teogonia” de Hesíodo e mesmo os clássicos “Ilíada” e “Odisseia” de Homero são obras orais, transmitidas de geração em geração e que foram compiladas pelos seus autores. Isso não tira o brilhantismo deles, dar forma a lendas e torná-las um conjunto aceitável e belo. Estes pioneiros inventaram a literatura escrita.
Na Idade Média, os mosteiros católicos preservaram os textos dos filósofos gregos e permitiram que essa documentação fosse estudada e que se mantivesse até aos dias atuais. Para aqueles que julgam a Idade Média como o “período das trevas”, sugiro reverem os seus conceitos. E não custa lembrar que foram os mosteiros o germe do que hoje compreendemos como universidade. Quando os monges se debruçaram sobre os estudos dos gregos, perceberam uma fragmentação incrível e do período antes de Sócrates, referente aos pré-socráticos, aí é que a coisa se complicou.
Com obras fragmentadas e em alguns casos, com apenas algumas poucas sentenças, percebeu-se o óbvio: que aquilo que não fora registrado em ata ficou perdido para sempre. O passar de geração para geração caberia melhor às lendas e, certa e tristemente, muito do pensamento se perdeu. Senão vejamos: quando o senso comum considera Sócrates “O Pai da Filosofia”, isso significa que antes dele não existia a filosofia propriamente dita? Óbvio que não. E ademais, o próprio termo pré-socrático denota um preconceito enraizado de que aqueles pensadores eram um tanto bárbaros e não racionais.
Observamos que, antes da palavra, os pensadores sentavam para “pensarem o mundo”, mas fincados com os pés no chão. Antes da Metafísica de Platão e Aristóteles, eles estavam investigando os elementos constitutivos da vida e do mundo, uma vez que a explicação alegórica dos Deuses não mais satisfazia. Não à toa, uns aventavam sobre o mundo advir do fogo; outro do ar; outro da água e outro da terra propriamente dita. Esse filosofar com os pés no chão não impedia elucubrações éticas e morais, mas dado a ausência de uma sistematização de ideias e a não existência do “livro”, muito se perdeu. Infelizmente. Se lermos um livro catalogado dos pré-socráticos hoje, percebemos essa fragmentação.

Hoje sabemos que muitos dos escritos de Platão se perderam; reafirmo que Sócrates nada escreveu e ficamos maravilhados com a possibilidade de lermos as suas obras, graças a muitos depoimentos e mesmo escritos dos seus alunos e historiadores, dialogarmos com inteligências de dois milénios e meio e nos deliciarmos com uma belíssima literatura, pois além do rigor filosófico existe o estilo literário e isso remete ao óbvio: que a razão ocidental se manifesta via palavra, que a palavra (logos) é pensamento e que foi esse o alicerce do nosso mundo, com as suas leis e costumes, ensinamentos e encantamento com o crescente aperfeiçoamento dessas técnicas.
O contrário mostra-se verdadeiro: que aquilo que não foi pensado para gerações futuras perdeu-se no tempo, houve um momento em que a transmissão geracional se fraturou e a partir desta investigação do passado, podemos orientar as nossas metas para o futuro.
Certa vez, a escritora brasileira Lya Luft escreveu, na sua destacada coluna da Revista Veja, do Brasil, a ver como as pessoas estavam maltratando a língua portuguesa, com as reduções do internetês, onde você virou vc e muitos já estão utilizando apenas o v., que o futuro da nossa linguagem poderia ser nos transformarmos em macacos, guinchando trepados em árvores. Gerações presentes insistem na comunicação breve, rápida e efémera, e nos seus segundos de story nas redes sociais, não plantam nada daquilo que professam.
Querem exemplos de permanência em mídias sociais? Deem preferência ao YouTube em detrimento a redes e plataformas mais ligeiras. Escrever, escrever, escrever. Que tenhamos isso como meta para deixarmos o nosso legado e a nossa educação.
OBarrete e a Revista Conhece-te cumprem bem esta função, trabalhando com a palavra e se o estimado leitor teve paciência para chegar até aqui, convido-os a deixarem registados as suas pegadas epistemológicas por esse mundo, vasto mundo. Essa diferença do aspeto oral e escrito pode assinalar a dicotomia entre especulação e comprovação; divagação e aferição, pois para sermos respeitados (pelo menos para os não macacos) devemos pensar e, para tanto, necessitamos das palavras, tais estas 957 na escritura deste simples artigo filosófico.
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