OBarrete

Porque A Arte Somos Nós

Com a saúde mental cada vez mais na boca do povo e sucessos de bilheteira como “Joker” (2019) a liderar o alerta para os possíveis perigos do declínio psicológico, o realizador e argumentista Dean Kapsalis vem oferecer um derradeiro acrescento ao tema. “The Swerve” retrata com honestidade e amargura a história de uma mulher à beira do precipício. Ela é mulher, mãe, irmã, filha, mas, acima de tudo, pessoa. No entanto, o total descrédito por esta última condição leva-a a sentir-se indesejada, inútil e, em última instância, invisível.

O seu nome é Holly (Azura Skye – vão querer apontar este nome) e à superfície parece levar uma vida suburbana idílica. Tem uma casa composta, trabalha como professora, tem dois filhos adolescentes e um marido a progredir na carreira. Tudo e todos contam com ela para ancorar as suas existências. Funciona, no seio do lar, como um estabilizador frágil, mas altamente funcional. Até que as insónias começam a atacar. A irmã desnorteada começa a remexer no passado. Um roedor corrói a sua imaginação. Um acidente de carro recorre nos seus sonhos. O resultado? Uma semana de horror que culmina numa vida de insuficiência, auto-dúvida e desgaste emocional.

Azura Skye (Holly)

No papel principal, Azura Skye interpreta Holly com uma convicção sublime. Vende uma progressiva degradação psíquica sem qualquer margem para dúvidas. Os seus maneirismos modificam, a sua expressão diverge da preocupação até pura apatia. O olhar transmite transtorno e miséria. É uma das melhores interpretações do ano, senão mesmo a melhor. Ciente da qualidade da atuação, Kapsalis mantém o foco da câmara na face da atriz, deixando que o estudo da personagem desenvolva não só na medida dos eventos como também por meio das suas exteriorizações.

Para um quadro mais pormenorizado, os seus filhos vivem encapsulados em bolhas, a roçar a insolência. O seu marido trabalha 16 horas por dia, criando um fosso entre a atenção que dá à protagonista e as suas necessidades. A sua irmã recém-reabilitada exige e consegue a atenção da família, chutando-a para segundo plano. Isto, aliado à privação de sono e ao (in)oportuno interesse de um jovem aluno, elabora um cocktail explosivo para a sanidade de Holly.

Azura Skye (Holly)

Quanto à narrativa que guia, esta é económica, pausada, mas sempre perspicaz em acrescentar um qualquer ângulo paranoico. Seja o desfolhar de um caderno com desenhos eróticos ou a certeza (será?) da infidelidade do marido, o drama coloca camada por cima de camada com o intuito de obter um enredo sólido e assim comunicar o estado psicológico da personagem central. O facto de entendermos exatamente aquilo pelo que a personagem está a atravessar é o testemunho do sucesso da execução dos criativos. Não só está muitíssimo bem descrito no papel, como transportado exemplarmente para o grande ecrã.

É assim que com a sua primeira longa-metragem o autor Dean Kapsalis junta-se a um panteão de cineastas que ao longo dos anos têm abordado a doença mental no cinema. Em 1965 Roman Polanski não deixou ninguém indiferente com o seu retrato de esquizofrenia em “Repulsa“. Para um exemplo mais recente, não é preciso ir mais longe do que o imperdível “O Senhor Babadook” (2014), de Jennifer Kent, que utiliza o sobrenatural para parabolizar o luto e a depressão. São matérias densas, delicadas. Não aconselhadas a quem deseja colorir a disposição. Em todo o caso, se estão predispostos a assistir à cena mais angustiante em torno de uma tarte desde “História de Um Fantasma” (2017), o drama psicológico “The Swerve” vai satisfazer os vossos critérios.

Bernardo Freire

Rating: 4 out of 4.

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